Quando e como é possível a prática de musculação e o uso de suplementos por adolescente

Relator: Dr. Carlos Alberto Landi

Médico Especialista em Pediatria pela AMB com Habilitação na Área de Atuação de Medicina do Adolescente, Preceptor do Internato da Faculdade de Medicina do Centro Universitário São Camilo no Ambulatório de Medicina do Adolescente e Secretário do Departamento Científico de Adolescência da SPSP.

Texto divulgado em 10/07/2013 

Introdução:

A adolescência é caracterizada como uma fase de intensas transformações físicas e psíquicas que podem causar  uma série de conflitos, especialmente no que diz respeito às mudanças do corpo, que ocorrem de forma muito rápida durante a puberdade e nem sempre atendem às expectativas dos adolescentes em relação ao corpo idealizado, especialmente numa sociedade que tem valorizado cada vez mais o TER em detrimento do SER. É importante TER a roupa da moda, TER  o  tênis do ultimo modelo, TER o celular mais moderno, TER o corpo perfeito. Tanto a mídia como a sociedade tem valorizado em extremo os corpos perfeitos, quase esculturais, associando a imagem corporal ao sucesso profissional, financeiro e social.

Por outro lado  frequentemente estamos diante do adolescente “invulnerável”, arrojado, sem medo, que busca  resultados rápidos em curto espaço de tempo, e que pode apresentar uma série de comportamentos de risco, que podem comprometer inclusive  sua integridade física.

Diariamente somos procurados por adolescentes em busca de orientações para a prática de atividade física, especialmente àquelas que promovam ganho de massa muscular, muitas vezes solicitando a prescrição de suplementos e vitaminas para acelerar a obtenção dos resultados almejados.

Sabe-se dos inúmeros benefícios da atividade física, inclusive da prática de musculação, desde que respeitados os limites fisiológicos do corpo em transformação, bem como dos riscos da prática inadequada destas atividades.

 

Crescimento e Desenvolvimento:

Durante a puberdade observa-se um incremento de massa muscular, especialmente no sexo masculino, devido ao aumento da testosterona e dos demais hormônios envolvidos no processo de crescimento. Há também redistribuição do tecido gorduroso,  aumento do tecido hematopoiético, crescimento ósseo com  aumento da mineralização, aumento do coração com incremento do volume sistólico, bem como da capacidade pulmonar. Todas estas alterações tem relação direta com o estirão do crescimento estatural e com a maturação sexual, e é possível  estabelecer uma relação com os estádios puberais de Tanner. Desta forma o incremento da força muscular ocorre após o pico de velocidade de crescimento (PVC), isto é, no estadiamento G4 de Tanner nos adolescentes do sexo masculino.  Portanto o estadiamento puberal de Tanner é critério importante na orientação de atividade de musculação aos nossos pacientes.

 

Benefícios e Riscos da musculação:

A atividade física regular associada à ingestão protéico-calórica adequada, promove o  aumento da massa magra e diminuição da gordura corporal, sendo assim fator de proteção contra moléstias cardiorrespiratórias, diabetes, obesidade e hipercolesterolemia entre outras.

Muitos estudos mostram associação entre atividade física regular e controle dietético, com melhora dos níveis de HDL – colesterol, LDL – colesterol, além de aumento da massa magra e redução da gordura corporal. O inverso ocorre entre adolescentes que dedicam muito tempo às atividades sedentárias (assistir TV, Internet, Videogames).

Além dos efeitos fisiológicos positivos a prática esportiva gera também efeitos psicológicos positivos, como melhora do humor, redução do estresse, aumento da autoestima, e promove ainda menor adesão ao uso do tabaco e álcool.

Em relação à influência da atividade física sobre o crescimento ainda é difícil determinar a influência exata que os programas de treinamento têm sobre ele. Vários estudos já demonstraram que não há diferenças no crescimento somático e esquelético de atletas e não atletas.  Outro ponto a ser considerado são os riscos que o esporte pode acarretar para os adolescentes. Jobin et al. ao estudar adolescentes atletas de alto desempenho, constataram que este grupo está frequentemente sujeito a deficiências cuja origem mais frequente é de natureza alimentar. Durante o estirão de crescimento há um incremento das necessidades energéticas, proteicas e de minerais e,  portanto , se deve estar atento à ingestão alimentar destes atletas, pois o treinamento aumenta ainda mais  as demandas nutricionais. Dentre os riscos que a prática esportiva pode acarretar na adolescência, são relatados também morte súbita (para adolescentes portadores de doenças, como cardiopatia congênita e hipertensão arterial ou para adolescentes sadios expostos a contusões fatais, choque térmico ou super esforço), contusões variadas dependentes do tipo de esporte ou pelo super uso das estruturas corporais; além de distúrbios de conduta, como agressividade no esporte, anorexia e outros distúrbios nutricionais por ingestão inadequada frente ao aumento das necessidades, desidratação e distúrbios hidroeletrolíticos, decorrentes períodos prolongados de treinamento sem a devida reposição.

 

Adolescente e musculação:

Em relação à prática de musculação vários autores colocam dúvidas em relação à prática antes que o adolescente  tenha atingido o estágio final do crescimento, o que poderia impedir o processo normal que se desenvolve nas placas de crescimento.  A Academia Americana de Pediatria (2000) orienta evitar a prática de musculação ou levantamento de peso, assim como o treinamento de força até que o adolescente atinja o estágio G5 de Tanner.

Por outro lado há autores que não contraindicam de forma sistemática o treinamento de força muscular e consideram que o treinamento de meninos e meninas pré-puberes pode causar aumentos significativos da força muscular.  Vários estudos recentes têm deixado de lado a ideia de que não ocorrem ganhos em força muscular a partir do treinamento de força em crianças devido à imaturidade do sistema hormonal. Acredita-se que não exista ganho em força ou hipertrofia muscular quando os treinamentos são mal planejados. Com um treinamento bem planejado, além de ocorrer ganho em força, muitos estudos confirmam que não ocorrem lesões devido ao programa de treinamento.

Bompa (2000) em seu livro Treinamento Total para Jovens Campeões considera que o treinamento de força melhora o desempenho e a execução de várias habilidades esportivas. Além disso, estudos recentes confirmam que o risco de lesão com o treinamento de força é pequeno, sendo que ele ajuda a preveni-las, além de melhorar o desempenho de atletas mais rapidamente do que apenas desempenhando a habilidade da modalidade esportiva. Bompa ressalta ainda que além de melhorar o desempenho e proteger contra lesões, o treinamento de força traz benefícios à saúde: aumenta o conteúdo mineral ósseo, previne osteoporose futura, especialmente nas mulheres, melhora a determinação mental e a disciplina do indivíduo para desempenhar tarefas, melhora a autoestima e confiança e por fim promove aumento da proporção de massa corporal magra.

É importante estarmos atento para que, antes do início do treinamento de força, todo adolescente se submeta a uma avaliação médica, que identificará qualquer doença potencial (problemas cardíacos), alterações ortopédicas, lesões prévias não tratadas adequadamente e antecedentes familiares e pessoais que podem ser causa de morte súbita (miocardiopatia hipertrófica, miocardites, arritmias, etc.). Também deve fazer parte desta avaliação o estadiamento puberal de Tanner. Com a avaliação médica em mãos o educador físico poderá elaborar o treinamento específico, respeitando as características próprias de cada adolescente e de acordo com seu grau de maturação física.

Bompa orienta programar o treinamento de acordo com três estágios:

1 – Pré-puberal: caracterizado por  crescimento constante que favorece o desenvolvimento de habilidades básicas e dos movimentos fundamentais.

2 – Puberdade: durante a puberdade, com o evoluir das idades há um incremento do desempenho motor, embora o padrão de desenvolvimento não seja uniforme nas mesmas idades, sexos e atividades. No sexo feminino se observa que  o desempenho de força se estabiliza durante a puberdade e não apresenta mudanças visíveis após seu término. No sexo masculino a força aumenta à medida que aumenta a idade, com aceleração acentuada durante o crescimento quando há incrementos visíveis na massa muscular relacionados  ao aumento dos níveis de testosterona. Visto que não são possíveis grandes incrementos no tamanho muscular, principalmente no início da puberdade, é importante que os envolvidos no treinamento infantil não estimulem os jovens em participar de treinamento de força com o intuito de promover  hipertrofia muscular. Tais ganhos são possíveis apenas após as mudanças hormonais que ocorrem durante o estágio de crescimento, porque incrementos na massa muscular comparam-se ao desenvolvimento  puberal de Tanner.

3 – Pós-puberal: após o pico de velocidade de crescimento há aumento dos valores de força e potência  muscular, acentuando-se as diferenças entre os sexos, devido ao maior ganho de massa muscular que ocorre nos garotos, melhorando a habilidade aos desafios das cargas de treinamento.

 

Adolescentes, suplementos e anabolizantes:

A pressão dos amigos para ser forte e parecer grande aliado ao apelo da mídia, pode estimular o uso de drogas e suplementos alimentares que aumentem o tamanho e o desempenho  muscular. O perigo do uso de drogas e a ineficácia do uso de suplementos devem ser esclarecidos aos adolescentes e seus responsáveis pelo médico e educador físico. Estudos recentes mostram que a alimentação balanceada e adequada supera os resultados pelo uso destes “suplementos” alimentares. O uso de suplementos alimentares não traz nenhum benefício para indivíduos que fazem exercícios recreativamente. Além disso, existem evidências de traços de anabolizantes em alguns suplementos. Quando indicado, o uso de suplementos para atletas de elite, ou indivíduos que praticam atividade física competitiva, eles devem ser prescritos por profissional capacitado (médico do esporte, nutricionista, nutrólogo) e de forma individualizada.

 

Conclusão:

A prática de atividade física deve ser estimulada entre os adolescentes, tendo em vista suas inúmeras vantagens. Entretanto, todo adolescente deve ter uma avaliação médica prévia, da qual deve constar o estadiamento puberal de Tanner e a pratica de musculação com o objetivo de hipertrofia muscular somente deve ser liberada após o pico de velocidade de crescimento, que ocorre no estágio G4 para os rapazes e M3 para as moças. Com isso se evitam lesões osteoarticulares, além de prejuízo na estatura final por consolidação precoce da cartilagem de crescimento dos ossos longos. Deve-se dar ênfase à  adequação alimentar  e se evitar o uso de suplementos alimentares.

Onde saber mais:

Rowland T. W. Fisiologia do exercício na criança segunda edição 2008;

Saito M. I. et al Adolescência prevenção e risco segunda edição 2008;

Bompa T. O. Treinamento total para jovens campeões primeira edição 2002;

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