Em 13 de julho de 2025, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 35 anos. Firmado no princípio da proteção integral, com base no artigo 227 da Constituição Federal, o ECA* é um marco na defesa dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil.
Desde sua criação, tem sido uma ferramenta fundamental para garantir o bem-estar e o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes. No entanto, ainda enfrenta obstáculos que exigem atualizações e efetiva implementação de suas diretrizes.
Quais são os principais desafios do ECA na atualidade?
– que a implementação e fiscalização de suas diretrizes sejam respeitadas e seguidas;
– que sejam transpostos os entraves da subnotificação e da impunidade, para que o ECA atinja plenamente sua finalidade e impeça que, ainda hoje, crianças e adolescentes sigam sendo vítimas de abusos físicos, psicológicos, sexuais e negligência.
– o trabalho infantil, apesar da proibição para menores de 14 anos (exceto como aprendizes) é outro desafio persistente;
– há muitos menores em abrigos sem perspectiva de adoção ou reintegração às suas famílias de origem.
Quais são os motivos de existirem tantos desafios?
– as imensas desigualdades social e regional resultam em diferenças significativas na aplicação das políticas de proteção;
– falta de recursos e capacitação de profissionais;
– casos emblemáticos de violência infantil escancaram falhas no sistema. Lembramos de algumas dessas vítimas: Henry Borel, Isabella Nardoni, Bernardo Boldrini, Joaquim Ponte Marques, Rhuan Maycon, Ágatha Felix, Miguel Otávio;
– a pobreza e ausência de oportunidades favorecem o trabalho infantil e a vulnerabilidade;
– projetos de lei ameaçam conquistas históricas, como as propostas de redução da maioridade penal e da idade mínima para o trabalho;
– crianças negras, indígenas, com deficiência ou disforia de gênero seguem invisibilizadas; ser “como eles” não é, em muitos lugares e regiões, uma possibilidade na nossa sociedade;
– falta de oportunidades de trabalho, educação, atendimento e profissionalização para os jovens de 14 a 21 anos com defasagem escolar, vulnerabilidade, conflito com a lei e dependentes de drogas.
– burocracia excessiva na adoção e falta de apoio às famílias acolhedoras;
– Subfinanciamento de programas e ausência de políticas públicas efetivas para erradicação do trabalho infantil, implementação de medidas socioeducativas, programas de oportunidades e inclusão para as famílias e no atendimento às vítimas de abuso.
– órgãos de proteção, como conselhos tutelares são insuficientes e ineficazes. O poder judiciário não tem estrutura adequada: juízes acumulam funções e não contam com equipes de técnicos para auxiliá-los.
O ECA tem passado por importantes mudanças, como a Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), de 2012, que estabelece que as medidas aplicadas aos adolescentes envolvidos em atos infracionais devem ser individualizadas e que os jovens tenham acesso à educação e capacitação profissional. Em 2014 uma alteração garantiu prioridade na adoção de crianças e adolescentes com deficiência e doenças crônicas. Em abril do mesmo ano, uma mudança passou a assegurar a convivência da criança com o pai ou mãe encarcerado. A lei do Menino Bernardo, de junho de 2014, trouxe proibição do castigo e da violência física como forma de educar os filhos, conhecida como Lei da Palmada.
A Lei Henry Borel foi sancionada em 2022. Com ela, houve aumento das penas para Crimes de Violência Infantil (especialmente violência doméstica); criou protocolos específicos de atendimento de casos de violência contra crianças, previu a integração em rede de proteção de diversas instituições, como saúde, educação, assistência social e segurança pública e obrigou a capacitação contínua de profissionais que atuam na rede de proteção à criança.
Mais do que leis, precisamos de compromisso. O ECA é uma legislação brilhante, um instrumento fundamental, mas é preciso um olhar humanizado e comprometido com o acesso de todas as crianças e adolescentes à educação, saúde, cultura e lazer. Só assim enfrentaremos desigualdades, garantiremos segurança alimentar, qualidade de vida e proteção diante de crises sanitárias e ambientais.
Nós precisamos sim ser um divisor de águas na história da proteção à infância e adolescência no Brasil – temos que reafirmar o compromisso do ECA com a concretização dos direitos das crianças e adolescentes.
* O ECA considera, de acordo com seu artigo 2 – caput, criança como a pessoa com até 12 (doze) anos incompletos, adolescente aquela que tiver entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos e, excepcionalmente, nos casos expressos em lei, aplica-se às pessoas entre 18 e 21 anos de idade.
Saiba mais:
– Principais tópicos do ECA. Disponível em:
https://www.jusbrasil.com.br/artigos/principais-topicos-do-estatuto-da-crianca-e-do-adolescente-eca/781144743
– Conquistas e Desafios do ECA aos 34 anos e as Importantes Atualizações da Lei Henry Borel. Disponível em:
https://www.jusbrasil.com.br/artigos/conquistas-e-desafios-do-eca-aos-34-anos-e-as-importantes-atualizacoes-da-lei-henry-borel/2626508348
– Ferreira W. 31 anos de ECA: Celebrar o quê? Disponível em:
https://periferiaemmovimento.com.br/eca31anos/
Relatora:
Renata D Waksman
Vice-Presidente da Sociedade de Pediatria de São Paulo
Coordenadora do Blog Pediatra Orienta da SPSP


