Panorama da sífilis congênita no estado de São Paulo

Panorama da sífilis congênita no estado de São Paulo

Carmen Silvia Bruniera Domingues
Coordenação das Ações para Eliminação da TV do HIV e sífilis
Texto divulgado em 22/09/2016


A eliminação da sífilis congênita (SC) é um compromisso nacional e uma prioridade de saúde pública. A comunidade mundial definiu metas internacional e regional para a eliminação da SC e da transmissão vertical do HIV (TVHIV), e o Brasil, através dos Programas de DST/Aids estaduais e municipais, tem buscado caminhos para atingir estas metas (taxa de incidência de SC < 0,5 casos por mil nascidos-vivos, taxa de incidência de infecção pelo HIV por TVHIV < 0,5 casos por mil nascidos-vivos e taxa de transmissão vertical do HIV < de 2%)1.

No estado de São Paulo, foram notificados 24.108 casos de SC no período de 1987 a 2015 (até 30/06/2015), sendo 2.989 casos diagnosticados em 2014. Embora 100% prevenível, a SC tem apresentado taxas crescentes e bastante elevadas, nos últimos anos. Quando comparado o ano 2010 com 2014, a elevação da taxa de incidência de SC foi de 2,4 vezes, passou, respectivamente, de 2,0 para 4,8 casos por mil nascidos vivos. Adicionalmente, foi observado aumento de 3,5 vezes no número de óbitos infantis por SC, passou de 10 óbitos, em 2010, para 35 óbitos, em 2014, merecendo destaque a elevação de 40% entre os anos 2013 e 2014 (de 25 para 35 óbitos).

A ocorrência de um caso de SC evidencia falhas no pré-natal, que podem ser atribuídas a vários fatores que contribuem para a persistência deste agravo, como: a cobertura e qualidade do pré-natal, o diagnóstico e tratamento na atenção básica, a captação e tratamento de parceiros sexuais, infecção em população vulnerável, estigma e discriminação relacionados com as infecções de transmissão sexual, dentre outros.

O momento do diagnóstico da sífilis durante a gestação é muito importante para evitar um caso de SC. O diagnóstico realizado no terceiro trimestre de gestação, por entrada tardia no pré-natal ou por aquisição da infecção no final da gravidez, pode levar a tratamento inadequado da mãe, não evitando a transmissão para o bebê. Em 2014, das 6.190 gestantes notificadas com sífilis, cerca de 22% (N=1.363) delas, o diagnóstico foi realizado no terceiro trimestre de gestação. Este percentual vem declinando nos últimos anos, e o aumento do diagnóstico no início da gestação representou 75% dos casos nos anos 2013 e 2014.

Em 2014, entre os casos de SC, aproximadamente 25% (N=745) das mães, não tinham realizado pré-natal ou esta informação era ignorada. No entanto, o fato de 75% (N=2.244) destas mães terem realizado o pré-natal, não impediu a transmissão vertical da sífilis, ou seja, não quebrou a cadeia de transmissão. Entre as mães com pré-natal, 71% (N=1.597/2.244) realizaram o diagnóstico de sífilis neste momento e, em 29% (N=647/2.244) delas, o diagnóstico foi feito no parto ou após o parto.

Para o atendimento adequado dos recém-nascidos com sífilis ou expostos a sífilis materna, é fundamental o cumprimento dos protocolos clínico-laboratoriais. Algumas condutas devem ser lembradas e discutidas com as equipes nas maternidades ou nos serviços ambulatoriais, como: a) não colher sangue do cordão umbilical para o diagnóstico sorológico da sífilis, devido à presença de sangue materno e ocorrência de atividade hemolítica, o que pode determinar resultados falsos; b) não dar alta da maternidade sem conhecimento do resultado do teste materno para sífilis, no momento do parto; c) realizar no recém-nascido todos os exames do protocolo para sífilis congênita, especialmente o VDRL no sangue periférico, hemograma, RX de ossos longos e análise do líquor (incluindo o VDRL); d) garantir o tratamento completo do RN com sífilis congênita durante 10 dias (inclusive com neurossífilis), tratamentos interrompidos ou incompletos devem ser reiniciados; e) seguir o recém-nascido exposto à sífilis materna até 18 ou 24 meses e realizar teste treponêmico após os 18 meses de idade².

Em 2014, no estado de São Paulo, 21% (N=574) dos recém-nascidos com sífilis congênita não cumpriram o protocolo de tratamento e 32% (N=870) não realizaram os exames de líquor e/ou RX de ossos longos.

Para que a cadeia de transmissão da SC possa ser interrompida, cada etapa do processo na linha de cuidado da gestante, especialmente na atenção pré-natal, deve ser rigorosamente cumprida. É fundamental a ampla cobertura na oferta de testes para sífilis e retorno dos resultados em tempo hábil, tratamento adequado com penicilina G benzatina para gestante e parceiro sexual, orientação para prática sexual segura e planejamento reprodutivo. Atenção especial deve ser dada às gestantes pertencentes a grupos de maior vulnerabilidade, que podem ter pouca ou nenhuma adesão ao pré-natal e ao tratamento para sífilis, como: adolescentes, usuárias de drogas lícitas ou ilícitas, privadas de liberdade ou parceiras de homens privados de liberdade, vivendo em situação de rua, imigrantes, dentre outras.

Referências:
1. WHO – World Health Organization. Global guidance on criteria and processes for validation: elimination of mother-to-child transmission (EMTCT) of HIV and syphilis. Geneve; 2014. [acesso em 14 jul 2016]. Disponível em http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/112858/1/9789241505888_eng.pdf. ISBN 978 92 4 150588 8.

2.SES-SP – Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Coordenadoria de Controle de Doenças. Centro de Referência e Treinamento DST/Aids. Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo. Guia de bolso para manejo da sífilis em gestantes e sífilis congênita. 2.ed. São Paulo: Secretaria de Estado da Saúde. 2016. 112p. [acesso em 07 set 2016]. Disponível em http://www.saude.sp.gov.br/resources/crt/publicacoes/outras-publicacoes/guiadebolsodasifilis-2edicao2016.pdf?attach=true