Em 17 de outubro comemoramos o Dia Nacional da Vacinação. A data acende um alerta, especialmente frente às dificuldades que temos enfrentado em escala crescente, desde a pandemia da Covid-19, em relação aos movimentos antivacinas.
Muitas informações falsas têm circulado e assustado os pais, e quando essas declarações vêm de líderes políticos ou profissionais de saúde sem embasamento em literatura científica ou dados mundiais de farmacovigilância, a situação se torna ainda mais preocupante em relação à importância da prevenção por meio da vacinação.
Importante lembrar que a imunização não se trata apenas de uma ação individual e sim coletiva. Vacinar traz consigo amor-próprio e amor ao próximo. Sim, porque a vacina protege quem a recebe e também quem está ao redor e que, por razões variadas, não pode receber a vacina, como bebês em determinadas faixas etárias, pessoas que fazem tratamento oncológico ou reumatológico e idosos.
Muitos pais não sabem, mas a vacinação é apontada como o segundo maior avanço da humanidade em termos de saúde pública, atrás apenas da ampliação da oferta de água potável.
Hoje, vivemos num mundo onde a mortalidade infantil por doenças imunopreveníveis diminuiu de forma significativa, aumentando a nossa expectativa de vida e gerando uma falsa sensação de segurança.
O processo de combate às mortes infantis é ainda mais preocupante frente à queda na cobertura vacinal no Brasil e no mundo, que se agravou no período pós-pandemia.
Desde a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), diversas estratégias foram implementadas para reduzir a mortalidade infantil e ampliar a expectativa de vida da população. Nesse processo, a política de vacinação, conduzida pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI), e apoiada pelas Sociedades Científicas, como a Sociedade de Pediatria de São Paulo, Sociedade Brasileira de Pediatria e Sociedade Brasileira de Imunizações, desempenhou papel central, assegurando avanços significativos na qualidade de vida de crianças, adolescentes e suas famílias em todo o Brasil. Além disso, o setor privado de vacinação, bastante qualificado no país, reforça a possibilidade de melhorar a proteção individual, além da proteção coletiva.
Apesar desses resultados, doenças como a poliomielite e o sarampo ainda preocupam, pois são endêmicas em outros países, o que reforça a necessidade de mantermos elevadas coberturas vacinais em todo o território nacional, pois a globalização traz consigo risco de contágio na população não vacinada ou incompletamente vacinada.
Mitos e inverdades precisam ser combatidos com informações seguras e científicas, pois representam risco de adoecimento, sequelas e mortes nas famílias, principalmente “fake news” que relacionam vacinas ao autismo e a outras doenças causadas pelas vacinas de RNAm, vacinas preventivas do câncer, presença de mercúrio ou alumínio nas formulações, sobrecarga do sistema imunológico, entre outras.
Nesse Dia Nacional da Vacinação é importante reforçarmos que:
- Inúmeros estudos científicos bem conduzidos comprovam que não há relação entre nenhuma vacina e o transtorno do espectro autista (TEA), como é conhecido o autismo. O trabalho publicado que deu origem a essa questão foi contestado pela comunidade científica por ter graves falhas metodológicas, sendo o autor acusado de fraudar informações apresentadas no estudo e receber pagamento de escritórios de advocacia envolvidos em processos por compensação de danos vacinais. O autor teve seu registro cassado e a revista Lancet excluiu o trabalho de seus arquivos e a maioria dos colaboradores solicitou a retirada de seus nomes da publicação. Apesar de todas as evidências científicas, grupos antivacinistas ainda reproduzem o discurso, que induz muitas famílias à hesitação ou à recusa vacinal.
- A relação entre o timerosal, substância à base de mercúrio presente em vacinas multidoses desde 1930, e o autismo, também foi amplamente investigada e descartada. O tipo de composto utilizado (etilmercúrio) é degradado e expelido rapidamente do organismo, portanto, não acumula nos órgãos ou corpo, nem traz qualquer prejuízo à saúde. A Organização Mundial da Saúde (OMS), a Food and Drugs Administration (FDA), a Academia Americana de Pediatria (AAP), entre outros regulatórios, já emitiram posicionamentos positivos sobre a segurança do timerosal nas vacinas.
- Compostos de alumínio, utilizados como adjuvante em algumas vacinas inativadas, não estão associados ao aumento do risco de distúrbios do neurodesenvolvimento, doenças autoimunes crônicas ou quadros alérgicos e atópicos. Vale destacar que a exposição humana ao alumínio é frequente, uma vez que o metal está presente no solo, em chás e ervas, temperos, utensílios de cozinha, latinhas de bebidas, creme dental, cosméticos e até mesmo na água tratada.
- O uso de vacinas combinadas e a aplicação de várias vacinas no mesmo momento para prevenção de mais de uma doença não é capaz de sobrecarregar o sistema imunológico. O número de antígenos com o qual o organismo entra em contato devido à vacinação é muito inferior à exposição que acontece naturalmente no dia a dia.
- A vacina contra hepatite B administrada já nas primeiras horas após o nascimento tem o objetivo de evitar a doença caso o vírus seja transmitido da mãe para o filho durante a gestação, parto ou por meio da amamentação. Nove entre dez recém-nascidos infectados pelo vírus da hepatite B, não vacinados, desenvolvem a forma crônica da doença, que pode evoluir com gravidade e levar à cirrose ou ao câncer de fígado, geralmente na adolescência ou vida adulta.
- Vacinas de RNAm não alteram o cromossomo nem o DNA das pessoas. Elas usam uma molécula de RNA mensageiro envolta em pequenas partículas de gordura, para levar instruções às células e gerar uma resposta imunológica.
Apesar da tecnologia de RNA mensageiro ser estudada há décadas, a aplicação dela só teve repercussão mundial quando foi utilizada para a produção da vacina Covid-19, criando especulações e desinformação. A vacinação contra a Covid-19 teve grande impacto na redução da morbimortalidade da doença, evitando milhares de óbitos e internações no mundo, desde a sua introdução no ano de 2021.
Mas a função do RNA mensageiro vai além; a tecnologia abre a perspectiva de que vários tipos de câncer que não respondem bem aos tratamentos convencionais, como quimioterapia e radioterapia, Aids, doenças genéticas raras ou outros distúrbios associados a proteínas ausentes ou que não funcionem corretamente possam ser tratados.
Avaliação das coberturas vacinais
A análise recente das coberturas vacinais evidencia avanços significativos no país, com destaque para o período a partir de 2023, quando se observou incremento consistente em diversas vacinas ofertadas para os menores de 2 anos, porém ainda precisamos melhorar.
Esses progressos reforçam a pertinência das ações realizadas, como também a oportunidade estratégica para ampliar o acesso, reduzir desigualdades e assegurar maior homogeneidade das coberturas vacinais no país.
Objetivos principais do Dia Nacional da Vacinação:
- Ampliar o acesso da população de crianças e adolescentes à vacinação, conforme o Calendário Nacional de Vacinação;
- Contribuir na redução da incidência das doenças imunopreveníveis;
- Enfrentar a hesitação vacinal com ações de comunicação e mobilização social;
- Oportunizar a vacinação contra epidemias (febre amarela, dengue, sarampo, etc.) em locais de risco;
- Possibilitar o resgate de crianças e adolescentes não vacinados;
- Proporcionar a vacinação de adultos e idosos, especialmente quando acompanham as crianças ao posto de vacinação;
- Monitorar casos de doenças imunopreveníveis já erradicadas no mundo;
- Manter o status de eliminação da poliomielite e do sarampo no Brasil e no mundo;
- Realizar o monitoramento da segurança das vacinas;
- Combater informações falsas, oferecendo referências científicas acessíveis e claras para tranquilizar a população.
O Dia Nacional da Vacinação é uma excelente oportunidade para relembrarmos quantas vidas têm sido salvas, quantas sequelas têm sido evitadas, quanto sofrimento e preocupação desapareceram, desde que as vacinas surgiram.
Relatora:
Silvia Bardella
Pediatra e Infectopediatra
Membro do Departamento Científico de Imunizações da SPSP


