A violência doméstica não entrou em quarentena

SPSP – Sociedade de Pediatria de São Paulo
Texto divulgado em 24/04/2020

Relatora: Renata D. Waksman
Vice-Presidente da SPSP
Coordenadora do Núcleo de Estudos da Violência contra Crianças e Adolescentes da SPSP

 

Confinamento em casa por causa do novo coronavírus é difícil para todos, mas se torna um verdadeiro pesadelo para as crianças e adolescentes que são vítimas de violência.

Em tempos de “coronacrise”, a regra mundial é clara: FIQUE EM CASA! No entanto, para milhões de mulheres e crianças em todo o planeta, o confinamento pode virar uma tortura, uma vez que o agressor está dentro de casa.

Neste cenário, com impactos ainda desconhecidos, uma nova questão tem aparecido na mídia internacional: o aumento dos casos de violência doméstica.

Na China, durante a quarentena, na província de Hubei, o número de casos relatados em janeiro de 2020 triplicou em comparação com o mesmo período do ano anterior.

Na França, a violência doméstica aumentou 32% e medidas foram adotadas, como pagar quartos para as vítimas, abrir centros de aconselhamento, ter nas farmácias um sistema de alerta para ajudar mulheres e crianças. Além disso, criaram um número de telefone 0800 nacional destinado a denunciar “homens violentos”.

Em Portugal, ainda não há dados concretos, mas foi lançado um alerta direto, com a mensagem que “o isolamento é necessário, mas pode aumentar o risco de violência doméstica. Se precisar de ajuda e não souber o que fazer, ligue para 800 202 148″.

Nos EUA, a Linha de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica alertou para o fato dos abusadores muitas vezes se aproveitarem destas situações de fragilidade, para isolarem mais as suas vítimas e assim aumentarem o controle sobre as vidas delas. O alerta reforça ainda que os locais de convivência diários e que são estratégias para sobreviver a uma relação abusiva, como a escola, o trabalho, a rede de amigos e os sistemas de suporte, desaparecem.

No Reino Unido, os telefonemas para o serviço nacional de denúncia contra abuso cresceram 65% no final de março. Outros países, como Austrália e Argentina, também registraram aumento de registros da violência doméstica.

No Brasil, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos registrou aumento de 9% nas ligações para o Disque 180 (Disque Denúncia – serviço de denúncia e de apoio às vítimas) e, nas últimas semanas, no Rio de Janeiro o total de notificações já é 50% maior.

Um dos grupos mais vulneráveis é o de menores de idade que, segundo o UNICEF, corre maior risco de sofrer abusos, abandono, exploração e violência ao terem que ficar trancados em casa com seus agressores.

Existem vários gatilhos que podem desencadear comportamentos agressivos e violentos dentro de casa: aumento do desemprego; famílias têm que interagir por mais tempo (na situação de confinamento); a casa é pequena e obriga o contato constante entre as pessoas; a pressão e o estresse aumentam com as preocupações de falta de dinheiro, comida e saúde; escolas e outros espaços de convivência estão fechados e as redes de assistência, reduzidas.

De acordo com a OMS, em períodos de crise econômica os riscos de violência física e sexual aumentam e, nesse contexto de crise social, econômica e sanitária, as pessoas podem se sentir como se estivessem perdendo o controle e, quando um abusador se sente assim, coloca a(s) vítima(s) em risco.

Em 5 de abril, o secretário-geral da ONU, António Guterres, divulgou um vídeo com recomendações para que se protejam mulheres, crianças e idosos que estão em casa, já que os casos de abuso sexual contra mulheres e meninas têm aumentado no mundo todo e a violência contra idosos e crianças também tende a crescer. Guterres fez um apelo para que quem ouvir algo (vizinho, geralmente) intervenha e tome algumas atitudes, como bater na porta, chamar no interfone, deslocar-se alguns metros para alertar que alguém está ouvindo – isso pode significar a sobrevivência de uma ou mais pessoas! Pediu também o estabelecimento de “sistemas de alerta de emergência em farmácias e lojas de alimentos”, já que são os únicos locais que permanecem abertos em muitos países.

Segundo a diretora-executiva da ONU Mulheres, Phumzile Mlambo-Ngcuka, a violência que está emergindo agora como uma característica sombria dessa pandemia é um espelho e um desafio aos nossos valores, nossa resiliência e humanidade compartilhada.

E quem vê ou escuta alguém que está em quarentena sofrer abuso?

Se em tempos ditos “normais” a denúncia para os órgãos competentes já acontece tão pouco (em nosso meio ao Conselho Tutelar ou Delegacia da região de moradia da suposta vítima, de preferência uma Delegacia da Mulher ou da Criança e Adolescência onde elas existirem), imaginem agora que a violência também está confinada!

E as vítimas, como devem pedir ajuda?

As delegacias estão atuando em regime de plantão e o atendimento está restrito a alguns crimes, entre eles: violência doméstica e contra a criança ou adolescente.

Se possível, ligar para 180 (voltado para mulheres em situação de violência) ou 100 (voltado a violações de direitos humanos) ou 181 (disque denúncia), que são serviços públicos, gratuitos e anônimos, que trabalham junto aos Conselhos Tutelares e fornecerão informações de locais próximos que estão abertos, para solicitar ajuda.

Importante também ter à mão ou decorar alguns números de apoio, como: delegacia, portaria do prédio, algum vizinho, amigo ou parente de confiança.

A população pode fazer denúncias anônimas também por meio do Disque Denúncia – 181 e através da internet – o Web Denúncia, ferramentas da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Basta acessar o site www.webdenuncia.org.br, clicar na opção “denuncie agora” e escolher o tipo de crime a ser relatado.

Outra denúncia que tem sido frequente nos Conselhos Tutelares neste período de quarentena é o abandono familiar – crianças e adolescentes são deixados sozinhos enquanto os pais saem de casa.

O governo federal lançou novas plataformas para o envio de denúncias de violência doméstica. Por meio do aplicativo “Direitos Humanos Brasil”, (https://play.google.com/store/apps/details?id=br.gov.direitoshumanosbrasil) as vítimas podem enviar seus relatos com mais privacidade, por meio de um passo a passo para que se envie a denúncia. Além disso, a ferramenta permite registrar violências contra mulheres, crianças, idosos, além de pessoas com deficiência, da comunidade LGBT+ e grupos que possuem culturas diferentes da predominante local. Os relatos podem ser acompanhados de fotos, vídeos e outros documentos que ajudem a comprovar a situação de violência.

Desenvolvido para Android e IOS, o aplicativo do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, também recebe denúncias pelo site, disponível no link da ouvidoria do Ministério (https://ouvidoria.mdh.gov.br/) e serve como alternativa para o Ligue 180, voltado para mulheres em situação de violência, e o Disque 100, para casos de violações de direitos humanos.

Referências

  1. Organização das Nações Unidas – ONU [homepage on the Internet]. Chefe da ONU alerta para aumento da violência doméstica em meio à pandemia do coronavírus [cited 2020 Apr 10]. Available from: https://nacoesunidas.org/chefe-da-onu-alerta-para-aumento-da-violencia-domestica-em-meio-a-pandemia-do-coronavirus/amp/
  2. Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental – ANESP [homepage on the Internet]. Covid 19 e violência doméstica: pandemia dupla para as mulheres [cited 2020 Apr 10]. Available from: http://anesp.org.br/todas-as-noticias/2020/4/6/covid-19-e-violncia-domstica-pandemia-dupla-para-as-mulheres.
  3. Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) [homepage on the Internet]. Covid-19: crianças em risco aumentado de abuso, negligência, exploração e violência em meio a intensificação das medidas de contenção [cited 2020 Apr 10]. Available from: https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/covid-19-criancas-em-risco-aumentado-de-abuso-negligencia-exploracao.
  4. Disque-Denúncias no Brasil [homepage on the Internet]. Available from: https://disquedenuncia181.es.gov.br/disque-denuncias-no-brasil.
  5. net [homepage on the Internet]. Governo lança app para denúncia de violência contra a mulher [cited 2020 Apr 10]. Available from: https://tecnoblog.net/332627/governo-lanca-direitos-humanos-br-denuncia-violencia-contra-mulher/
  6. United Nations [homepage on the Internet]. United Nations Secretary-General [cited 2020 Apr 10]. Available from: https://www.un.org/sg/en
  7. ogr.br [homepage on the Internet]. Violência contra as mulheres e meninas é pandemia das sombras, afirma diretora executiva da ONU Mulheres [cited 2020 Apr 10]. Available from: http://www.onumulheres.org.br/noticias/violencia-contra-as-mulheres-e-meninas-e-pandemia-das-sombras-afirma-diretora-executiva-da-onu-mulheres/