“A vítima está sempre alheia ao mal”

“A vítima está sempre alheia ao mal”

Esta frase me veio à mente sob o impacto das más notícias recentes – a absurdidade da tragédia na creche de Blumenau mexe com o mais íntimo de cada um, deixando-nos indefesos, sem chão, estarrecidos. Crianças em uma creche, apenas sendo crianças. Brincando, dormindo, comendo, vivendo em plenitude o momento como crianças normais. Todas indefesas, alheias ao mal. Foram ceifadas da vida por um cutelo atroz.

Nietzsche nos adverte que “A crueldade é um dos prazeres mais antigos da humanidade”. O filósofo descarrega nessa frase seu niilismo, e o reforça nesta outra: “O homem é o animal mais cruel”. Retratou também esse dilema de outra forma: “Temos a arte para não morrer ou enlouquecer perante a verdade” – verdade, aqui, é sinônimo de “realidade dos fatos”.

Expressa assim, simbolicamente, na palavra arte, o outro lado da moeda – a mão que mata é também a mão que cria beleza. “A vida bate e estraçalha a alma e a arte nos lembra que você tem uma” – a frase de Stella Adler sintetiza esse pensamento.

Na palavra arte queremos expressar a esperança na transcendência que também permeia o caráter humano, capaz de gerar bondade, altruísmo, compaixão, que nos faz ficar indignados perante a perpetração do mal e nos impele a nos solidarizar com as famílias enlutadas.

Perplexidade e indignação.

A tragédia de Blumenau sinaliza, entretanto, que a sociedade não pode permanecer alheia ao mal. Há certos males que são previsíveis quanto à possibilidade da sua ocorrência – para estes podemos exercer a cautela antecipatória.

É tempo de reflexão para gerar ações preventivas, porque esse episódio, infelizmente, não foi único – foi uma repetição de outros anteriores.

O problema é complexo e de causas multifatoriais. Talvez as causas mais primevas estejam vinculadas ao modo como valorizamos a vida humana e como desenvolvemos as relações interpessoais. Onde falta o respeito ao outro, impera a desigualdade, prospera a violência.

Como pediatras sabemos que esse agressor pode ter sido – na infância ou adolescência – vítima de violência, seja em casa, seja por seus pares (bullying). Essas situações podem se estender para a vida adulta ao fincar raízes na psiquê do indivíduo. Modelam a mente e comportamentos.

E o que pode ser feito?

  • Não podemos ficar calados frente a suspeita de que alguma criança ou adolescente está sendo vítima de violência doméstica;
  • É importante que, através da Inteligência Artificial, se desenvolvam algoritmos que possam auxiliar a polícia a rastrear comportamentos “estranhos” nas mídias sociais;
  • É fundamental que as famílias sejam instrumentalizadas para que possam supervisionar e controlar o uso da internet pelos filhos (com quem conversam, quais os assuntos, em quais jogos e desafios estão interessados);
  • É necessário que se cuide da segurança mínima no ambiente escolar: acesso restrito, barreiras físicas – muros, catracas, câmeras de vigilância, policiamento preventivo (Ronda Escolar), detectores de metal (conforme a possibilidade local);
  • É crucial que os pais cuidem da guarda das armas que tenham em suas casas (o ideal seria nem as ter).

Não podemos ficar alheios ao mal!

 

Relator:
Fernando MF Oliveira
Coordenador do Blog Pediatra Orienta da SPSP