O mês de outubro é internacionalmente reconhecido como o Mês da Visão, e nele celebra-se o Dia Mundial da Visão, uma oportunidade para reforçar a importância da detecção precoce das doenças oculares que afetam o desenvolvimento infantil. A infância é um período crítico para o amadurecimento do sistema visual, que depende de estímulos adequados para o pleno desenvolvimento das vias ópticas e da integração sensorial. Nesse contexto, o pediatra desempenha papel essencial como primeiro ponto de contato com a criança e sua família, sendo frequentemente o profissional que pode identificar os primeiros sinais de alterações visuais.
Entre as causas mais relevantes de deficiência visual evitável na infância, destaca-se a ambliopia, definida como a redução da acuidade visual causada por falta de estimulação adequada do olho em desenvolvimento. Ocorre durante o chamado período crítico de plasticidade neural, quando o cérebro aprende a processar as imagens recebidas dos olhos. Se um dos olhos envia uma imagem desfocada, o córtex visual passa a suprimir o estímulo proveniente dele, resultando em perda funcional.
A ambliopia pode ser classificada em três tipos principais.
- Ambliopia estrábica, quando há desalinhamento ocular (estrabismo) e o cérebro “desliga” um dos olhos para evitar diplopia.
- Ambliopia anisometrópica: decorrente de diferença significativa de grau entre os olhos, levando o cérebro a privilegiar a imagem do olho com melhor foco.
- Ambliopia por privação, causada por dificuldade à formação da imagem, como catarata congênita, ptose (queda) palpebral severa ou opacidades corneanas.
A identificação precoce é determinante para o sucesso terapêutico, pois após o fechamento do período de plasticidade visual (em torno dos 7 a 8 anos de idade), o tratamento se torna muito menos eficaz. Por isso, a avaliação oftalmológica na infância deve ser parte do acompanhamento de rotina, iniciando-se ainda no período neonatal com o Teste do Reflexo Vermelho, conhecido como teste do olhinho. Esse exame é simples e indolor e quando alterado permite detectar alterações como catarata congênita, glaucoma e tumores intraoculares, possibilitando o encaminhamento imediato ao oftalmologista.
O acompanhamento oftalmológico periódico deve ser reforçado em crianças prematuras, com histórico familiar de doenças oculares, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor ou que apresentem sinais clínicos como estrabismo, nistagmo, lacrimejamento persistente ou fotofobia. Nesses casos, o pediatra é o profissional-chave para orientar a família e garantir o encaminhamento adequado.
A integração entre pediatria e oftalmologia, sobretudo no âmbito da atenção primária à saúde, é fundamental para que distúrbios visuais sejam identificados e tratados de forma rápida e eficiente. Quando o oftalmologista é incluído na rede de atenção básica, amplia-se o alcance da triagem, reduz-se o tempo até o diagnóstico e fortalecem-se as estratégias de prevenção da cegueira infantil.
Durante o Mês Mundial da Visão é essencial lembrar que ver bem é um processo que se constrói desde os primeiros dias de vida. A ambliopia, embora silenciosa, é tratável se reconhecida precocemente. Ao pediatra cabe o papel de vigilante do desenvolvimento global da criança e isso inclui o olhar, que é a janela mais importante para o aprendizado, o vínculo e o mundo.
Relator:
Marcelo Alexandre A. Cavalcante
Presidente do Departamento Científico de Oftalmologia da SPSP


