Ampliação da oferta da vacina Hepatite B para adultos jovens

Relatora: Dra. Lucia F. Bricks
Doutora em Medicina pela FMUSP e membro do Depto. Científico de Pediatria Ambulatorial e Cuidados Primários da SPSP.

A partir de 2013 o Ministério da Saúde ampliará a oferta da vacina hepatite B para toda a população brasileira até 49 anos de idade (1). A hepatite B é causada pelo vírus da hepatite B (VHB), transmitido através do contato com sangue e derivados, fluidos corporais (sêmen, secreção vaginal) e materiais contaminados. A infecção pode cursar com ou sem sintomas e a presença de manifestações clínicas está relacionada com a idade, variando entre <1% em lactentes menores de um ano, 5 a 15% em crianças de 1 a 5 anos e 30 a 50% em crianças maiores, adolescentes e adultos. A maioria dos casos evolui de forma silenciosa, sendo diagnosticada através de exames laboratoriais. As formas crônicas são confirmadas pela identificação do antígeno HBs ou de material genético do VHB no soro, por pelo menos 6 meses (2).  As formas de transmissão dependem da prevalência da infecção, situação vacinal e comportamentos de risco.

Em áreas de alta incidência (prevalência de portadores crônicos do VHB > 8%), a transmissão neonatal e através do contato com pessoas infectadas é comum, enquanto em regiões de incidência intermediária (2 – 7%) ou baixa (< 2%), a principal via de transmissão é o contato sexual com portadores assintomáticos (2,3). No Brasil, a prevalência da infecção varia de acordo com faixa etária, sendo maior em adultos com mais de 30 anos. De 1999 a 2011, foram notificados no SINAN 120.343 casos confirmados de hepatite B, a maioria nas regiões sudeste (36,3%) e sul (31,6%), embora a maior incidência da doença ocorra na região norte dos pais (4).

A vacina Hepatite B foi inicialmente indicada para grupos de risco e, progressivamente, introduzida nos calendários de imunização da criança, sendo posteriormente também indicada para adolescentes e adultos jovens. Em 1998, a vacina estava disponível nas unidades básicas de saúde para todas as crianças menores de um ano e, em 2001, para toda a população com menos de 20 anos de idade. A oferta foi ampliada para toda polução com até 24, 29 e 49 anos, respectivamente, nos anos de 2011, 2012 e 2013, tornando-se praticamente universal, pois pessoas com mais de 50 anos poderão recebê-la sem comprovar condição de risco (1).  As coberturas vacinais na infância são bastante altas, porém aproximadamente metade dos adolescentes e a maioria dos adultos não são vacinados (5,6,7,8). Existem poucas informações sobre coberturas vacinais em grupos de risco. Entre os profissionais de saúde as coberturas deixam a desejar e muitos não adotam as medidas profiláticas após acidentes com material biológico potencialmente contaminado (9,10). De acordo com dados do Ministério da Saúde, em 2010, em mais de 50% dos indivíduos infectados pelo VHB não foi possível identificar a fonte de contágio e, entre os grupos cuja fonte de infecção foi determinada, 52,9% haviam adquirido a infecção através do contato sexual; 9,1% através do contato domiciliar com portadores do vírus; 5,9% por transmissão vertical; 5,5% por transfusão e 4,3% pelo uso de drogas; 0,7% por hemodiálise; 0,6% por acidente de trabalho e 20,9% por outros mecanismos (4).

Não há dúvidas de que a melhor estratégia para prevenir a hepatite B é a vacinação universal de crianças e adolescentes associada à vacinação dos grupos de risco (3); entretanto, considerando-se que a prevalência da infecção aumenta substancialmente após o início da atividade sexual, a ampliação da vacinação certamente irá beneficiar grande parcela da população (4). No Brasil, a detecção de marcadores da infecção pelo VHB aumenta substancialmente após a adolescência, em ambos os sexos (4). Não temos dúvidas de que a ampliação da oferta da vacina trará benefícios substanciais à população brasileira.   

As vacinas HB distribuídas no Brasil são produzidas através de tecnologia recombinante (11), são muito seguras, raramente causando eventos adversos, que, em geral, são reações locais, benignas e autolimitadas. Alergia de caráter anafilático à dose anterior da vacina ou seus componentes é fenômeno muito raro (< 1/600.000), constituindo contraindicação para novas doses da vacina (2). Recomenda-se que os adultos recebam a vacina HB por via intramuscular, em esquema de 3 doses (inicial, após um mês e após 6 meses). A vacina pode ser administrada concomitantemente (em locais separados) com outras vacinas contendo ou não agentes vivos (2,3). Em caso de alto risco de exposição por VHB em curto prazo, como viagem a local de alta endemicidade, existem esquemas alternativos, com redução do intervalo entre as doses. Não se recomenda a realização de testes sorológicos antes ou após a vacinação, exceto para grupos com alto risco de exposição ao VHB 2. Mais de 90% dos indivíduos previamente saudáveis desenvolvem anticorpos em títulos protetores após completar o esquema de vacinação e a memória imune persiste por mais de duas décadas (12).

Recomenda-se que profissionais de saúde realizem sorologia um a dois meses após completar o esquema de vacinação e, nos raros casos em que não se observa resposta, o esquema deve ser repetido uma vez. Pessoas que fazem hemodiálise devem repetir o teste anualmente, devendo ser revacinadas quando os títulos de anticorpos anti-HBs estiverem abaixo de 10 mUI/mL (2). A conscientização de profissionais de saúde e de leigos sobre a importância da vacinação de adolescentes e adultos contra hepatite B é extremamente importante, tendo em vista que não existem drogas efetivas para tratar a infecção aguda e que o tratamento das formas crônicas é extremamente difícil, tem efetividade variável, alto custo e pode causar reações adversas (2).  A hepatite B é um dos principais fatores de risco para desenvolvimento de hepatocarcinoma e de cirrose hepática (13,14,15) e a vacinação é a forma mais efetiva forma de prevenir a doença e suas complicações. A educação de médicos e leigos é essencial para o aumento das coberturas vacinais em todas as faixas etárias, a oferta da vacina na rede básica para todos os brasileiros é mais uma conquista do Programa Nacional de Imunizações que merece ampla divulgação.   

 

REFERÊNCIAS:  

1. Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais. Portal sobre AIDS, doenças sexualmente transmissíveis e hepatites virais. Nota técnica conjunta – 02/2013: ampliação da oferta da vacina da hepatite B para a faixa etária de 30 a 49 anos em 2013, 11 jun. 2013. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/sites/default/files/anexos/legislacao/2013/54827/nota_tecnica_ conjunta_2_2013_pdf_18055.pdf>. Acesso em: 17 jun. 2013.

2.  American Academy of Pediatrics. Hepatitis and youth in correctional settings: hepatitis B. In: Pickering LK, Baker CJ, Kimberlin DW, Long SS (eds). Red Book: 2012 report of the committee on infectious diseases. Elk Grove Village, IL: American Academy of Pediatrics, 2012. p. 188-9.

3. Mast EE, Ward JW. Hepatitis B vaccines. In: Plotkin SA, Orenstein WA, Offit PA. Vaccine. 5th. Ed. Philadelphia: Saunders Elservier, 2008. p. 205-42.

4. Brasil. Ministério da Saúde. Boletim epidemiológico hepatites virais. Brasília: Departamento de DST, Aids e hepatites virais, 2012. Ano III. Nº 1. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/sites/default/files/anexos/publicacao/2012/51820/boletim_epid emiol_gico_hepatites_virais_2012_ve_12026.pdf>. Acesso em: 17 jun. 2013.

5. Domingues CMS, Teixeira AMS. Coberturas vacinais e doenças imunopreveníveis no Brasil no período 1982-2012: avanços e desafios do Programa Nacional de Imunizações. Epidemiol Serv Saúde. 2013;22(1):9-27.

6. Barata RB, Ribeiro MC, de Moraes JC, Flannery B; Vaccine Coverage Survey 2007 Group. Socioeconomic inequalities and vaccination coverage: results of an immunisation coverage survey in 27 Brazilian capitals, 2007-2008. J Epidemiol Community Health. 2012 Oct;66(10):934-41. 

7. Barreto ML, Teixeira MG, Bastos FI, Ximenes RA, Barata RB, Rodrigues LC. Successes and failures in the control of infectious diseases in Brazil: social and environmental context, policies, interventions, and research needs. Lancet. 2011 May;377(9780):1877-89.

8. Passos AM, Treitinger A, Spada C. Hepatitis B immunity and vaccination coverage among young adult males in the Air Force in South Brazil. Vaccine. 2011 Nov;29(49):9284-8. 

9. Carvalho P, Schinoni MI, Andrade J, Vasconcelos Rêgo MA, Marques P, et al. Hepatitis B virus prevalence and vaccination response in health care workers and 4 students at the Federal University of Bahia, Brazil. Ann Hepatol. 2012 May- Jun;11(3):330-7.

10. Dinelli MI, Moreira TN, Paulino ER, da Rocha MC, Graciani FB, de Moraes-Pinto MI. Immune status and risk perception of acquisition of vaccine preventable diseases among health care workers. Am J Infect Control. 2009 Dec;37(10):858-60.

11. Brasil. Ministério da Saúde. Portal da Saúde. Vacinação. Calendários de vacinação: calendário nacional de vacinação. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=21462>. Acesso em: 24 jun. 2013.

12. Su FH, Bai CH, Chu FY, Lin YS, Su CT, Yeh CC. Significance and anamnestic response in isolated hepatitis B core antibody-positive individuals 18 years after neonatal hepatitis B virus vaccination in Taiwan. Vaccine. 2012 Jun;30(27):4034-9. 

13. Goncalves PL, Zago-Gomes Mda P, Marques CC, Mendonça AT, Gonçalves CS, Pereira FE. Etiology of liver cirrhosis in Brazil: chronic alcoholism and hepatitis viruses in liver cirrhosis diagnosed in the state of Espírito Santo. Clinics (Sao Paulo). 2013;68(3):291-5.

14. Shire AM, Roberts LR. Prevention of hepatocellular carcinoma: progress and challenges. Minerva Gastroenterol Dietol. 2012 Mar;58(1):49-64.

15. Li M, Li J, Li P, Li H, Su T, Zhu R, et al. Hepatitis B virus infection increases the risk of cholangiocarcinoma: a meta-analysis and systematic review. J Gastroenterol Hepatol. 2012 Oct;27(10):1561-8. 

 

Texto divulgado em 02/07/2013.