Março Lilás – Aspectos peculiares do crescimento e desenvolvimento do prematuro

Março Lilás – Aspectos peculiares do crescimento e desenvolvimento do prematuro

SPSP – Sociedade de Pediatria de São Paulo
Texto  divulgado em 09/03/2020

Relatoras:

Ana Maria Andréllo Gonçalves Pereira de Melo
Teresa Maria de Oliveira Uras Belém
Departamento Científico de Neonatologia da SPSP

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), nascimentos prematuros variam de 5 a 15%, inversamente proporcional à condição do desenvolvimento socioeconômico. No Brasil, esse índice é estimado em 11,5%.1 A prematuridade é importante causa de morbimortalidade neonatal. Em 2017, a Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais (RBPN) – que inclui 20 serviços universitários de referência para gestações de alto risco, em diferentes estados brasileiros – indicam uma média de 63% de sobrevida de recém-nascidos prematuros com peso ao nascer abaixo de 1.500g, até ano de idade2

Considera-se o limite da viabilidade como sendo a idade gestacional na qual um recém-nascido prematuro apresenta 50% ou mais chance de sobrevida, fora do útero materno. No Brasil, este limite, segundo a RBPN encontra-se entre 25 e 26 semanas. Para os maiores de 30 semanas e de muito baixo peso, a mortalidade é inferior a 10%.

Em 2015, a prematuridade representou a principal causa de morte em crianças abaixo de 5 anos. No Brasil, as complicações associadas à prematuridade vêm ocupando o primeiro lugar nas causas de óbitos nos primeiros 5 anos de vida desde 1990.

O terceiro trimestre de gestação é um período em que ocorre importante transferência de nutrientes, que é fundamental para garantir adequados ganho de peso e crescimento fetais, além de colaborar com adequado desenvolvimento do sistema nervoso. O nascimento prematuro priva o bebê de passar por esta fase podendo levar a prejuízos no crescimento e desenvolvimento neuropsicomotor e cognitivo.3

A nutrição pós-natal é um dos grandes desafios no cuidado do recém-nascido prematuro de muito baixo peso (P<1.500g). Ela está associada ao aumento de sobrevida, migração neuronal, sinaptogênese e mielinização. É necessário garantir uma nutrição pós-natal adequada que promova ganho de peso, crescimento e um desenvolvimento apropriado do sistema nervoso central, desde o momento do nascimento até os primeiros 2 anos de vida, para que promova uma vida futura saudável.

É importante que os serviços de saúde possuam protocolos bem definidos para a nutrição de recém-nascidos prematuros, de acordo com as melhores evidências na oferta precoce de macro e micronutrientes, pois estes possuem estoques limitados e alta demanda de energia.

Acompanhamento do crescimento

O crescimento não deve ser exclusivamente acréscimo no peso, comprimento e de outras medidas antropométricas mensuráveis e sim o resultado de um suporte nutricional que possibilite ao recém-nascido prematuro se recuperar de morbidades, adquirir uma boa composição corporal e adequado desenvolvimento neuropsicomotor e cognitivo. O leite materno é essencial para esses desfechos.4

Acompanhar o crescimento desde a vida fetal até a adolescência é essencial. Devemos estar atentos para que o ganho de peso em crianças nascidas pré-termo seja aquele que promova desenvolvimento neuropsicomotor e crescimento. A Academia Americana de Pediatria sugere que os prematuros tenham padrão de crescimento correspondente à idade gestacional corrigida.5

Para o monitoramento do crescimento pós-natal há várias curvas: baseadas em USG fetal e correlação com o peso para a idade gestacional; curvas de crescimento intrauterino para peso, comprimento e perímetro cefálico ao nascer para cada idade gestacional; curvas de peso, comprimento e perímetro cefálico no período pós-natal construídas por metodologia combinada. Há curvas cujo objetivo é indicar como devem crescer as crianças (prescritivas) em condições adequadas de saúde e alimentação. Por outro lado, existem as curvas não prescritivas, que descrevem como cresce um grupo de crianças.

Para recém-nascidos prematuros, um dos grandes desafios é a manutenção do crescimento pós-natal, que ocorreria na vida intrauterina com o progredir da gestação. Quanto maior o grau de prematuridade, mais difícil é a adaptação pós-natal, principalmente nas primeiras três semanas, ocorrendo importante perda de peso. A seguir, o bebê passa por um período de recuperação nutricional e seu ganho de peso está associado principalmente ao acúmulo de gorduras. Esse ganho de peso acelerado para atingir o peso de um recém-nascido a termo está relacionado à problemas metabólicos e vasculares, ou seja, há aumento do risco de diabetes e hipertensão arterial na vida adulta. Por outro lado, ele pode estar associado a melhor desenvolvimento neuropsicomotor.

Desde a admissão do recém-nascido prematuro na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal é obrigatório o acompanhamento da aferição do peso diário. Há serviços em que após o bebê recuperar o peso de nascimento, a tomada de peso passa a ocorrer duas vezes por semana. As medidas de perímetro cefálico e comprimento devem ocorrer ao nascer e uma vez por semana, até a alta hospitalar. Todas essas medidas são plotadas em curvas, que poderão continuar a ser utilizadas após a alta, no seguimento ambulatorial. Existem as curvas padrão e as curvas de referência.6

A escolha da melhor curva de crescimento, para o acompanhamento de bebês prematuros é assunto que leva à muitas discussões. Existe a curva elaborada por Fenton, a partir da elaboração de uma metanálise de curvas de 6 países (Austrália , Estados Unidos, Canadá, Escócia, Alemanha e Itália), envolvendo um grande número de crianças e foi possível unir esta curva resultante com a curva da OMS para as crianças a partir de 40 semanas.

As curvas mais utilizadas atualmente são as curvas de referência, que descrevem o crescimento de uma amostra de crianças sem caracterizar como sendo padrão de normalidade. Um exemplo de curva de referência é a Intergrowth-21st, atualmente utilizada. Essa curva é o resultado do estudo multicêntrico internacional que produziu curvas de crescimento a partir de 27 semanas, incluindo prematuros de gestações de baixo risco, alimentados com leite materno e práticas clínicas assistenciais recomendadas. Ela apresenta uma limitação, pois foi incluído um número pequeno de recém-nascidos prematuros abaixo de 33 semanas (201 recém-nascidos).

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomenda o uso das curvas de crescimento Intergrowth- 21st pois são prescritivas, multiétnicas, com adequada metodologia antropométrica, e posteriormente, quando adotadas as curvas da OMS, há o ajuste adequado.7,8

Em estudo publicado em fevereiro 2018, recomenda-se a utilização da curva de crescimento Intergrowth-21st como sendo adequada para a monitorização do crescimento de recém-nascidos prematuros, em caráter universal.9

Para os bebês nascidos com menos de 32 semanas de idade gestacional, também é possível considerar o canal atingido após a perda de peso máxima, que a seguir se estabiliza e sucede o ganho de peso. O limite de perda máxima é considerado de 15%.

Muitos bebês prematuros passam meses internados em unidades de Terapia Intensiva Neonatal, são de risco para diferentes morbidades, principalmente crônicas, que podem levar a déficits de crescimento e atraso em neurodesenvolvimento. Para eles, é preciso garantir, após a alta hospitalar, o adequado seguimento ambulatorial com uma equipe multiprofissional com planejamento e intervenção precoce quando indicada.

A hospitalização prolongada e morbidades presentes à alta hospitalar alteram as relações familiares, sendo determinantes no prognóstico de vida da criança. Portanto, o apoio constante à família é essencial. O atendimento multiprofissional e a comunicação interdisciplinar são componentes fundamentais para a continuidade do cuidado. É essencial o acompanhamento ambulatorial.

Observamos cada vez mais o aumento da sobrevida de prematuros. A disponibilidade de recursos, tecnologia avançada e a assistência especializada de diferentes profissionais no cuidado do recém-nascido são essenciais para esses bebês. A idade gestacional é o indicador mais importante da sobrevida e de eventos crônicos futuros, na vida da criança.

Desenvolvimento neuropsicomotor e cognitivo    

Assim como o acompanhamento do crescimento é importante, o mesmo ocorre com o seguimento em relação ao desenvolvimento neuropsicomotor e cognitivo. A avaliação do desenvolvimento do prematuro engloba história clínica detalhada, exame físico e neurológico. Essa abordagem inicial será importante para realizar intervenções específicas, precisa ser completada com avalições sistematizadas através de testes de triagem e diagnósticos, aplicados a cada faixa etária.

Desde o nascimento, os pais e familiares, assim como cuidadores, precisam estar envolvidos no processo de alta e de seguimento dessa população. Os pediatras e neonatologistas precisam estar atentos aos marcos do desenvolvimento para que as intervenções sejam as mais precoces possíveis.10,11

Nos primeiros dois anos de vida, é necessária especial atenção para: distonias transitórias, os menores escores nos testes de desenvolvimento, deficiências sensoriais, atraso na linguagem e paralisia cerebral. Na idade escolar, ter atenção para pior desempenho acadêmico, principalmente em matemática, leitura e ortografia; problemas comportamentais, transtorno de atenção e hiperatividade (TDAH); autismo, menor fluência verbal, deficiência cognitiva e de memória; problemas motores sutis. É evidente a maior necessidade de abordagem multiprofissional.

O desenvolvimento sensório-motor é o principal aspecto a ser avaliado nos primeiros dois anos de vida, sendo que as deficiências sensoriais visuais e auditivas irão ter impacto direto no desenvolvimento. Nos primeiros dois anos de vida, ênfase ao exame motor, tanto nas hipertonias como hipotonias que terão impacto importante para diagnóstico precoce de paralisia cerebral. A frequência e gravidade dos resultados adversos variam inversamente com a idade gestacional.

Deve ser avaliada a cada três meses no primeiro ano de idade e especial atenção deve ser dada à evolução motora. A avaliação da função motora grosseira é importante, pois aumenta a capacidade de diagnosticar paralisia cerebral leve até dois anos de idade.             

Outro aspecto que precisa ser avaliado nos primeiros anos é o desenvolvimento da linguagem, pois quanto menor o peso de nascimento e a idade gestacional, maior a chance de atraso. Ao detectar problema na linguagem há que se investigar a possibilidade de deficiência auditiva, pois neste caso a intervenção audiológica precoce pode melhorar o prognóstico.

É recomendado que entre 18-24 meses seja feito o diagnóstico do desenvolvimento, por meio de testes específicos. Aos três anos, o diagnóstico do desenvolvimento da linguagem e cognição, aos quatro anos, a avaliação do comportamento, alterações sutis e viso-motoras e, a partir de seis anos de idade, deve ser acompanhado o desempenho escolar da criança.

A avaliação da criança deverá ser feita por equipe multiprofissional, por meio de testes de triagem e de testes diagnósticos. Para aplicação de alguns testes há necessidade de treinamento com certificação.

Testes de triagem

Teste de Denver: é o teste de triagem mais utilizado, de fácil e rápida execução (20 minutos). Esse teste avalia quatro setores do desenvolvimento: 1) motor grosseiro; 2) motor-adaptativo fino; 3) linguagem; e 4) pessoal-social. Pode ser usado na faixa etária de zero a seis anos e permite avaliar a adequação do desenvolvimento para a faixa etária sem valor prognóstico. Possui baixa sensibilidade abaixo dos oito meses.

Escala Motora Infantil de Alberta (AIMS): avalia o desenvolvimento motor nos primeiros 18 meses de vida. Foi adaptado à população brasileira, tem boa correlação com outros testes, é de fácil e rápida realização (20 minutos), geralmente aplicado por terapeuta ocupacional ou fisioterapeuta. É útil no acompanhamento de lactentes submetidos à intervenção precoce. Na interpretação dos resultados o escore obtido é confrontado em uma escala de percentis.

Avaliação dos Movimentos Generalizados: avalia de forma qualitativa os padrões motores característicos dos RNPT e de termo, que se modificam com a idade, por meio de filmagem dos movimentos espontâneos da criança acordada. A avaliação deve ser feita em três momentos: a partir do 3° dia de vida até 20 semanas IC.

Teste Infantil de Desempenho Motor (TIMP): avalia a postura e movimentos funcionais característicos do 1° trimestre, como: controle de cabeça e dos membros, em várias posições e com estímulos visuais e auditivos. Aplicado desde 32 semanas de idade gestacional até quatro meses.

Avaliação dos Movimentos da Criança: instrumento usado por terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas para avaliar efeito da fisioterapia. Não é bom método, pois requer muita habilidade do examinador, é demorado e manipula muito a criança.

Testes diagnósticos

Escala de Bayley II: é o instrumento mais utilizado. Avalia várias habilidades, a aquisição dos marcos de desenvolvimento e identifica áreas de atraso ou inadequação em crianças de um até 42 meses, possibilitando o diagnóstico precoce de anormalidades no desenvolvimento.

Escalas de inteligência de Wechsler: essa avaliação é recomendada na idade pré-escolar/escolar.

           

Atraso na linguagem, além de frequente, chegando a acometer mais que 40% dos RNPT < 1.000g, associa-se com maior risco de problemas de aprendizagem (menor habilidade na leitura e escrita), problemas comportamentais e de ajuste social.

O desenvolvimento da linguagem pode ser avaliado pelos testes de desenvolvimento global, como o Denver II e escalas Bayley, e também por instrumentos específicos como Inventário de MacArthur de Desenvolvimento Comunicativo, PPVT-R (Peabody Picture Vocabulary Test-Revised), CAT/CLAMS (Cognitive Adaptative Test/Clinical Linguistic Auditory Milestone Scale) e a escala ELM (Early Language Milestones).12

A melhoria dos resultados de desenvolvimento nesses prematuros começa com bons cuidados obstétricos para promover o crescimento e o bem-estar fetal. A restrição do crescimento intrauterino e neonatos prematuros pequenos para idade gestacional estão associados a pior desenvolvimento.13

Quando o parto prematuro é necessário ou inevitável, é benéfico o uso de corticosteroides pré-natais, sulfato de magnésio para neuroproteção fetal em crianças pré-termo e neuroproteção, manejo de infeções, entre outras práticas baseadas em evidências.14,15

Os esforços da perinatologia para reduzir a incidência de partos prematuros não foram bem-sucedidos até o momento e, portanto, diminuir os impactos a longo prazo da prematuridade no desenvolvimento neurológico é um grande desafio de saúde pública. Isso exigirá sempre uma abordagem multiprofissional, com identificação e redução de fatores de risco, intervenções para proteção cerebral, consideração dos riscos e benefícios das intervenções neonatais e apoio aos pais, cuidadores e no seguimento pós-alta.

Referências

1- Leal MC, Esteves-Pereira AP, Nakamura-Pereira M, Torres JA, Theme-Filha M, Domingues RM, et al. Prevalence and risk factors relates to preterm birth in Brazil. Reprod Health. 2016;13:127.

2- Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais.  Available from: https://redeneonatal.com.br/

3- Pereira-da-Silva L, Virella D, Fusch C. Nutritional assessment in preterm infants: a practical approach in the NICU Nutrients. 2019;11:1999.

4- Serra-Majem L, Fernandez ML. Nutrients 2009–2019: The Present and the Future of Nutrition. Nutrients. 2019;11:88.

5- Academy American of Pediatrics. Guidelines for perinatal care. 8th. Nova Iorque: AAP; 2017.

6- Sociedade Brasileira de Pediatria – SBP. Seguimento ambulatorial do recém-nascido de risco. Rio de Janeiro: SBP; 2012.

7- Sociedade Brasileira de Pediatria – SBP. Monitoramento do crescimento de RN pré-termos. Rio de Janeiro: SBP; 2017.

8- International Fetal and Newborn Growth Consortium for the 21st Century. INTERGROWTH-21st. Available from: https://intergrowth21.tghn.org/interpractice-21st/

9- Villar J, Ismail LC, Urias ES, Giuliani F, Ohuma EO, Victora CG, et al. The satisfactory growth and development at 2 years of age of the INTERGROWTH-21st Fetal Growth Standards cohort support its appropriateness for constructing international standards. AJOG; 2017.

10- Rydz D, Shevell MI, Majnemer A, Oskoui M. Developmental screening. J Child Neurol. 2005;20:4-21.

11- Rugolo LM. Growth and developmental outcomes of the extremely preterm infant. J Pediatr (Rio J). 2005;81:S101-10.

12- Sociedade Brasileira de Pediatria – SBP. Seguimento ambulatorial do recém-nascido de risco. Rio de Janeiro: SBP; 2012.

13- Tanis JC, Van Braeckel KN, Kerstjens JM, Bocca-Tjeertes IF, Reijneveld SA, Bos AF. Functional outcomes at age 7 years of moderate preterm and full term children born small for gestational age. J Pediatr. 2015;166:552-8.

14- American Academy of Pediatrics. Antenatal corticosteroid therapy for fetal maturation. Pediatrics. 2017;140:2016-8.

15- Puopolo KM, Beigi R, Silverman NS, et al. ACOG committee opinion: intrapartum management of intraamniotic infection. Obstet Gynecol. 2017;130:95-101.

16- Rogers EE, Hintz SR. Early neurodevelopmental outcomes of extremely preterm infants. Semin Perinatol. 2016;40:497-509.