A Organização Mundial da Saúde define saúde mental como um estado de “bem-estar mental que permite à pessoa lidar com o estresse da vida, realizar as suas capacidades, aprender bem e trabalhar bem, e contribuir para a sua comunidade”.* Definir saúde mental, no entanto, não é tarefa fácil, pois para além do resultado produtivo (aprender bem, trabalhar bem e contribuir para a comunidade), ela se relaciona à maneira como as pessoas reagem às adversidades e a sua sensação de bem-estar no mundo.
Quando olhamos para a infância, esse conceito ganha novas nuances, referindo-se ao bem-estar emocional e social, que pode ser observado na maneira como a criança se desenvolve, aprende, relaciona-se com seus pares e familiares e lida com os problemas. A saúde mental da criança não se mede por desempenho ou obediência, mas pela sua capacidade de imaginar, de se expressar e brincar.
O brincar é, para ela, um modo de existir, compreender e transformar a realidade. A criança emocionalmente saudável sente-se segura para explorar o mundo e confia nos adultos que ama. Sabe que será acolhida quando os problemas aparecerem ou quando se sentir triste, com medo ou mesmo com raiva.
Ao nascer, embora já tenhamos uma série de experiências da nossa vida no útero materno, somos seres extremamente frágeis, totalmente dependentes dos cuidados de quem nos acolhe. Nascemos inacabados – e também assim partimos, pois nunca estamos prontos –, e será por meio das interações que vivenciamos que nos constituiremos.
Na nossa fragilidade inicial, entretanto, está nossa potência: nossa diversidade. Nascemos para todas as línguas, para todas as culturas, para todos os ambientes. As interações que experienciamos nos primeiros anos de vida formam caminhos que deixam uma assinatura única no nosso cérebro. Somos seres plurais, mas totalmente singulares – fruto da experiência dos que nos antecederam e do nosso tempo, porém completamente únicos. Nunca, em nenhum outro momento, existirá alguém igual a nós.
Somos seres geneticamente sociais, já dizia Wallon; a interdependência, portanto, não é uma característica apenas da criança. É um pressuposto do humano, aliás do universo.
No dia 10 de outubro, em que se comemora o Dia Mundial da Saúde Mental – no mesmo mês do Dia das Crianças -, desejamos que não falemos sobre doenças mentais, diagnósticos ou riscos. Desejamos que todas as mães e pais confiem na sua potencialidade e menos nas milhares de receitas sobre como criar as crianças, das quais eles, pais, são os maiores conhecedores. Desejamos que todos nós aceitemos que, algumas vezes, as coisas podem não dar certo – e que os erros também são importantes para a saúde mental humana. Desejamos que celebremos as pequenas alegrias, as conexões reais, a beleza da vida.
Que possamos nos encantar com os instantes do cotidiano sem que precisemos fotografá-los e que tenhamos uma imensa gratidão por termos a oportunidade de cuidar das crianças e, pelo menos em alguns momentos, olharmos o mundo com os olhares delas. Que possamos, enfim, “transver” o mundo!
Saiba mais:
* OMS, 2022: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/mental-health-strengthening-our-response.
Relatora:
Rosa Resegue
Membro do Núcleo de Estudos de Saúde Mental da SPSP


