No 18º Fórum Paulista de Prevenção de Acidentes e Combate à Violência contra Crianças e Adolescentes, compartilhei os resultados da minha pesquisa e o conteúdo do livro recém-lançado, intitulado A Influência das Mídias Digitais na Cultura da Infância.
Os direitos digitais de crianças e adolescentes também estiveram no centro das discussões, voltadas à garantia da proteção integral dessa população no Brasil. Dando continuidade aos debates do Fórum, destaco a preocupação com o uso de tecnologias sem supervisão durante a infância e adolescência, o que motivou, entre outras ações, a discussão sobre a proibição do uso de celulares em escolas como medida protetiva.
Em 5 de dezembro de 2024, foi aprovado o projeto de lei que proíbe o uso de aparelhos celulares por estudantes em escolas públicas e privadas no Estado de São Paulo. Posteriormente, em 20 de fevereiro de 2025, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou novas diretrizes operacionais sobre o uso de dispositivos digitais em espaços escolares e a integração curricular do componente “Educação Digital e Midiática”. Em março, é lançado pelo Governo Federal o documento que traz orientações baseadas em evidências científicas para a criação de um espaço virtual mais saudável e seguro para crianças e adolescentes. As novas diretrizes, válidas para toda a educação básica – da educação infantil ao ensino médio –, entraram em vigor no ano letivo de 2025. O uso de telas está permitido em dois casos específicos: para fins pedagógicos e para estudantes com deficiência ou condições de saúde que demandem suporte tecnológico.
Essas regulamentações representam avanços importantes na ampliação do debate sobre o uso de celulares por crianças e adolescentes, tanto nas escolas quanto em contextos familiares e comunitários. Entendo que tais medidas podem oferecer apoio significativo não só às escolas, mas às famílias e sociedade, e trazem novos desafios para a sua implementação.
- Ambiente virtual inseguro: As redes sociais têm se tornado espaços marcados por graves riscos, como a coleta de dados comportamentais para fins publicitários, racismo, misoginia, incitação à violência e discurso de ódio, abuso sexual, automutilação, cyberbullying, jogos de azar e conteúdos relacionados ao suicídio. Esses fatores tornam o ambiente digital extremamente nocivo, especialmente para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, sem a maturidade e sem os recursos necessários para lidar com tais exposições de forma segura.
- Necessidade de regulamentação: É urgente demandar das plataformas digitais a implementação de diretrizes éticas que assegurem ambientes virtuais saudáveis e protegidos. Enquanto projetos de lei seguem em tramitação no Senado, é imperativo proteger crianças e adolescentes de interações indevidas, sobretudo nos períodos de não supervisão, como recreios e intervalos escolares. O fácil acesso a conteúdos violentos, apostas ilegais e a possibilidade de manipulação de imagens sem o acompanhamento de adultos representam grande risco ao desenvolvimento de nossas crianças e jovens.
- Uso pedagógico mediado: As legislações em vigor reconhecem a importância da mediação adulta no uso pedagógico das tecnologias, por meio da atuação de professores e educadores, em consonância com os projetos político-pedagógicos das instituições escolares.
- Educação especial e tecnologias assistivas: As diretrizes garantem o uso de recursos tecnológicos no contexto do Atendimento Educacional Especializado (AEE), assegurando a inclusão de estudantes com deficiência ou outras necessidades específicas.
- Educação midiática como eixo formativo: Diante da centralidade das redes sociais, da coleta de dados e da disseminação da inteligência artificial, é fundamental inserir a educação midiática nos currículos escolares e na formação docente. É por meio dela que se promove o uso ético e consciente das tecnologias e se constrói uma cultura de responsabilidade digital. Essa abordagem favorece o desenvolvimento de projetos educativos consistentes e exerce pressão sobre as big techs, como já ocorre em outros países. O controle parental, nesse contexto, deve ser tratado como parte integrante da formação de toda a comunidade escolar.
Enquanto essas políticas públicas não forem plenamente implementadas, é essencial evitar a exposição de crianças e adolescentes a riscos que possam comprometer sua segurança, bem-estar e desenvolvimento. Os danos decorrentes do uso desregulado da tecnologia podem ser irreversíveis.
Por fim, é importante ressaltar que a responsabilização direta de estudantes, como punições ou confisco de aparelhos por parte de professores, inspetores ou diretores, não deve ser o foco das ações escolares. A formação crítica de crianças e adolescentes começa pela leitura do mundo – inclusive do mundo digital. A escola deve ser um espaço educativo que promova interações significativas, brincadeiras, jogos e diálogos “olhos nos olhos”, e não “olhos nas telas”.
Cabe, portanto, cuidar do nosso tempo de tela como adultos também e olhar para a qualidade da relação que estamos construindo. Assim, a escola, as famílias e o poder público podem promover, conjuntamente, a reconstrução de ambientes escolares saudáveis, por meio do planejamento coletivo, da intencionalidade educativa e do cuidado contínuo, convidando todos a se integrarem a essa Rede de Proteção à Infância.
Relatora:
Sandra Cavaletti Toquetão
Pesquisadora do Grupo Políticas Públicas da Infância (CRIANDO-PUC/SP) e Linguagem em Atividade no Contexto Escolar (LACE-PUC/SP)
Atua na formação de educadores da infância, ministrando cursos e palestras