Detecção precoce de deficiência de ferro em adolescentes

Relator:
Dr. Alexandre Massashi Hirata
Médico e Professor afiliado da Disciplina de Hebiatria do Departamento de Pediatria da FMABC e membro do Depto. Científico de Adolescência da SPSP.

A deficiência de ferro e a anemia ferropriva constituem uma das carências nutricionais mais comuns, sendo um problema de saúde pública no Brasil e no mundo(1,2). Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que a deficiência de ferro ocorra mundialmente em 4 a 5 bilhões de indivíduos(3).

Em uma grande amostra da população norte-americana (NHANES III, 2001), 3% das crianças em idade escolar apresentaram deficiência de ferro, sendo relativamente comum em adolescentes do sexo feminino (9% das adolescentes em idade fértil)(4, 5).
No Brasil, a prevalência de deficiência de ferro e anemia ferropriva depende da região geográfica e está relacionada com fatores socioeconômicos(1,2).

A carência do ferro, com ou sem anemia, produz inúmeras e importantes alterações orgânicas, interferindo na capacidade de aprendizagem, no desempenho físico e de trabalho, dificultando o desenvolvimento profissional e sócio-econômico(3,6,7).

A associação da anemia ferropriva com o prejuízo do desenvolvimento mental e motor está bem caracterizada. Alguns estudos tem considerado o efeito da deficiência de ferro na performance cognitiva em crianças maiores e adolescentes(4,8).

No estudo de Halterman et al, a porcentagem de crianças e adolescentes de 6 a 16 anos com pontuação abaixo da média em aritmética foi significamente maior (P<0.05) naqueles com deficiência de ferro sem anemia (71%) comparados com os que apresentavam ferro normal (49%). O odds ratio (OD) foi de 2,4 (95% com intervalo de confiança de 1,1-5,2)(4).

Na adolescência, a acentuada velocidade de crescimento, o aumento da massa corporal e o início das perdas menstruais nas meninas, associados à dieta inadequada constituem as principais causas de ferropenia e anemia(1,4,6,8).

As necessidades de ferro no adolescente estão aumentadas no estirão pubertário. Nos rapazes, o pico de velocidade de crescimento ocorre no estágio G4 de Tanner, quando há grande formação de massa muscular. Nas moças, há o advento da menarca, na desaceleração da velocidade de crescimento, geralmente no estágio M4 de Tanner, e em seus ciclos menstruais, nos primeiros 2 a 3 anos pós-menarca costumam apresentar sangramentos irregulares, devido à imaturidade do eixo hipotálamo-hipófise-ovário, com consequente perda de ferro(6).

A maior parte do ferro no organismo encontra-se sob a forma de compostos do grupo hemeproteínas, exercendo reações metabólicas e oxidativas do organismo, além de ser essencial para replicação celular(1,2).

A concentração média do ferro no cérebro é muito maior ao de quase todos os outros metais, sendo requisitado pelas enzimas envolvidas nas funções cerebrais específicas como mielinização, síntese de neutrotransmissores serotoninérgicos e dopaminérgicos(5).

Na falta de ferro, primeiramente há diminuição da reserva do ferro no organismo. O nível de ferritina sérica reflete as reservas corporais de ferro e, para todas as idades, níveis inferiores a 10 ou 12 ng/mL indicam depleção dos estoques de ferro. Na persistência do balanço negativo, ocorre diminuição do ferro sérico, diminuição da saturação de transferrina e aumento da capacidade de ligação do ferro. Grande parte do ferro sérico está ligado à transferrina, apresentando grande variabilidade biológica e pronunciada flutuação diurna, sendo também influenciados pelos fatores dietéticos, métodos laboratoriais e contaminação do material. A capacidade de ligação de ferro está menos sujeita a variações biológicas, sendo os valores médios normais de 250 a 400 g/dL. A percentagem de saturação da transferrina é um índice mais sensível, onde valores abaixo de 12 a 16%, dependendo da faixa etária, são indicativos de deficiência de ferro. Valores da capacidade de ligação de ferro acima de 400 mcg/dL são fortemente sugestivos de deficiência de ferro. A protoporfirina representa a penúltima etapa da biossíntese do heme. A protoporfirina eritrocitária livre encontra-se elevada na deficiência de ferro, sendo considerada teste útil para screening, não sendo afetada pelo uso recente de ferro oral. O limite normal superior é de 40 mcg/dL de eritrócitos. A anemia ocorre no último estágio, como manifestação tardia da deficiência de ferro. O indicador mais comumente utilizado para o diagnóstico é a hemoglobina, caracterizada por hipocromia e microcitose, com diminuição do volume corpuscular médio (VCM), da concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM) e da hemoglobina corpuscular média (HCM). A elevação da red cell distribution width (RDW), que representa a porcentagem de variação do tamanho das células vermelhas, é um bom discriminador de anemia ferropriva (1,9).

Não existem parâmetros ótimos, ou sua combinação, para o diagnóstico nutricional em ferro. Porém, para o diagnóstico mais preciso de anemia por deficiência de ferro, testes de triagem, compreendendo a dosagem da concentração de hemoglobina, o volume corpuscular médio (VCM) e da hemoglobina corpuscular média (HCM) devem acompanhar de testes confirmatórios de deficiência de ferro no sangue e/ou nas suas reservas (ferro sérico, capacidade de ligação de transferrina, índice de saturação de transferrina, ferritina sérica e protoporfirina sérica). A OMS recomenda que a etiologia da deficiência de ferro seja confirmada pela presença de 2 (dois) ou mais parâmetros laboratoriais alterados(9,10).

Diminuição da memória, baixo rendimento em atividades físicas, menor desempenho motor, escolar e cognitivo têm sido atribuídos à anemia ferropriva(2,10,11,12), havendo fortes evidências da reversibilidade com a ferroterapia(2,5).

Sintomas de deficiência de ferro são sutis e inespecíficos, muitas vezes passando despercebidos e, portanto, tem-se buscado a possibilidade dos efeitos nas habilidades cognitivas mesmo antes da instalação da anemia. A deficiência de ferro está associada a alterações em vários processos metabólicos que interferem no funcionamento cerebral(2,5,6).

Diante das significantes consequências dos efeitos da deficiência de ferro e considerando a adolescência como um grupo de risco, a triagem para deficiência de ferro pode ser justificada para identificação e intervenção precoce, evitando-se os efeitos potencialmente negativos na cognição e no comportamento(4,11).

Referências bibliográficas

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Texto divulgado em 26/04/2011.