Dia da Mobilização no Combate à Fome e pela Vida

Dia da Mobilização no Combate à Fome e pela Vida

Em agosto de 2000 foi promulgada pelo governador de São Paulo à época, Mário Covas, a Lei nº 10.620, que instituiu o dia 9 de agosto como o Dia da Mobilização no Combate à Fome e pela Vida, de autoria do Deputado Roberto Engler, do PSDB na Assembleia Legislativa de SP – foi o primeiro estado brasileiro a aderir à iniciativa, que faz parte de uma ação nacional organizada por entidades da sociedade civil.

A escolha deste dia foi em homenagem ao sociólogo Herbert José de Souza, o Betinho, que faleceu em 9 de agosto de 1997. Em 1993, após anúncio do IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) da existência de 32 milhões de indigentes no Brasil, encabeçou a iniciativa de publicar uma “Carta de Ação da Cidadania”, denunciando a miséria e incitando cada cidadão brasileiro a se mobilizar em prol do combate à fome e à pobreza. Este movimento deu origem à Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida, lançada em abril de 1993, uma das maiores mobilizações da sociedade brasileira em favor das populações excluídas.

Mais da metade da população do nosso país – 125,2 milhões de pessoas – vive com algum grau de insegurança alimentar*. Em média, considerando todas as regiões, são 3 em cada 10 famílias, que relataram redução parcial ou severa no consumo de alimentos nos 3 meses que antecederam as entrevistas do II VIGISAN (2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, publicado em 1922): o número de domicílios com moradores passando fome foi de 9% em 2020 (19,1 milhões de pessoas) para 15,5% (33,1 milhões de pessoas) – são mais 14 milhões de pessoas em situação de fome em pouco mais de um ano!

Em quase 30% das casas pelo menos 1 pessoa não comeu nenhuma refeição diária; 50% das famílias que diminuiu a quantidade de alimentos básicos passam por insegurança alimentar moderada ou grave; a fome ocorreu mais nas áreas rurais, os números na área urbana não são pequenos; em mais de 50% dos lares endividados tiveram que vender bens ou equipamentos de trabalho e algum morador parou de estudar para contribuir com a renda familiar; nas casas com responsáveis com menos de 4 anos de estudo há fome em um quarto delas; houve falta de água também em muitos lares; a fome é maior onde o responsável está desempregado, a renda por pessoa é inferior a 1/4 do salário mínimo mensal, trabalham como agricultor familiar ou tem emprego informal; em mais de 60% dos lares comandados por mulheres e/ou pessoas pretas e pardas ocorre restrição de alimentos e fome em quase 20% deles; fome também acontece em quase 20% dos lares com crianças menores de 10 anos.

*Nota: insegurança alimentar ocorre quando uma pessoa não tem acesso regular e permanente a alimentos. Ela é classificada em três níveis: leve – incerteza quanto ao acesso a alimentos em um futuro próximo e/ou quando a qualidade da alimentação já está comprometida; moderada – quando a quantidade de alimentos é insuficiente para todos e grave – quando ocorre privação no consumo de alimentos e fome.

Quais são os motivos desta tragédia?

Segundo a maioria de todas as fontes consultadas, temos:

  • Desinteresse e/ou falta de compaixão;
  • Escassa vontade social e política de responder às obrigações internacionais;
  • Aumento das desigualdades sociais e desigualdade salarial entre gêneros;
  • A renda maior que um salário mínimo mensal por pessoa deixou de ser uma garantia contra a privação do consumo de alimentos – em consequência da crise econômica, dos reajustes do salário mínimo abaixo da inflação, o alto preço dos alimentos em relação ao salário dos trabalhadores e a pandemia da Covid-19;
  • Pobreza das populações rurais, pouca atenção à agricultura familiar;
  • Desmonte das políticas públicas em geral e de apoio às populações do campo, da floresta e das águas;
  • O alimento ser tratado como mercadoria, atendendo à prioridade de mercado e à primazia do lucro, o sistema produtivo agrícola ser mais voltado às exportações do que ao mercado interno e a supervalorização do agronegócio;
  • Histórica estrutura agrária centrada em estabelecimentos fundiários;
  • Busca pelo poder, imagem pública e dinheiro;
  • Perda do sentido de serviço à comunidade em benefício exclusivo de pessoas ou de grupos e
  • Grau de corrupção, sob as mais diversas formas.

O que cada um de nós pode fazer?

-Colaborar com entidades sérias e transparentes que arrecadam alimentos;

-Abolir o desperdício de alimentos, estabelecendo práticas de alimentação saudável;

-Questionar o próprio estilo de vida e de alimentação;

-Praticar o voluntariado e envolver-se nos trabalhos e nas ações que já existem em sua comunidade;

-Participar mais ativamente das discussões sociais de políticas públicas e se envolver nas iniciativas públicas (governamentais ou não) de combate à fome e à pobreza.

Comentários Finais

A situação no Brasil pouco mudou nestes 30 anos – continuamos vulneráveis, com milhões em situação de pobreza e fome e tudo piorou com a pandemia que vivemos. 

E pensar que o Brasil já foi referência internacional no combate à fome – entre 2004 e 2013, políticas públicas de erradicação da pobreza e da miséria reduziram a fome para menos da metade do índice inicial: de 9,5% para 4,2% dos lares brasileiros.

Foi lançado em 23 de maio deste ano o “Pacto contra a Fome”, movimento suprapartidário e multissetorial, com o objetivo de erradicar a fome até 2030 e reduzir o desperdício de alimentos no Brasil. O evento contou com a presença de lideranças do governo, academia, empresariado, entidades não governamentais e religiosas, entre outros.

Estiveram presentes 2 ministros:  Wellington Dias, do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome do Brasil e Simone Tebet, do Planejamento e Orçamento.

Wellington Dias declarou que, “ainda este ano, o governo pretende retirar cerca de 8,5 milhões de famílias (aproximadamente 20 milhões de pessoas) da extrema pobreza, que ninguém passe fome até 2030 e, em 2040, que todos no Brasil estejam bem alimentados”. Simone Tebet avaliou que “essa parceria entre os setores, dentro do Pacto Contra a Fome, é fundamental para erradicar a miséria e a fome no país e declarou que não se pode esquecer que um Brasil que alimenta o mundo desperdiça quase que oito vezes o necessário para matar a fome, temos então que garantir uma rede organizada junto com a sociedade civil e o terceiro setor de cultura de conscientização em relação a isso. E ainda afirma que “o governo federal tem recursos e orçamento para, através da assistência, garantir o Bolsa Família e toda rede de proteção às famílias”.

Sabemos há muito que os benefícios sociais não são capazes de acabar com a fome sozinhos – a insegurança alimentar moderada e grave cresceu mesmo nos domicílios que recebiam auxílio financeiro dos programas Bolsa Família e Auxílio Brasil.

Cada um de nós tem que fazer a sua parte!

Saiba mais:

  • Ação da cidadania contra a fome – 5 de junho de 2023
    http://querepublicaeessa.an.gov.br/assista-um-filme/455-acao-da-cidadania-contra-a-fome.html
  • São Paulo é o primeiro Estado a instituir o dia do combate à fome
    http://www.legislacao.sp.gov.br/legislacao/dg280202.nsf/ae9f9e0701e533aa032572e6006cf5fd/fad7b3ae747fd12603256d1d006e6c95?OpenDocument
  • II VIGISAN. 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil
    https://pesquisassan.net.br/2o-inquerito-nacional-sobre-inseguranca-alimentar-no-contexto-da-pandemia-da-covid-19-no-brasil/
  • Olhe para a Fome. A fome e a insegurança alimentar avançam em todo o Brasil

https://olheparaafome.com.br/   

  • Pacto da sociedade civil propõe acabar com a fome até 2030

https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2023-05/pacto-contra-fome-quer-tirar-20-milhoes-de-pessoas-da%20extrema-pobreza

  • Campanha da Fraternidade 2023 propõe ações nos âmbitos pessoal, comunitário e sociopolítico para o combate à fome no Brasil

https://osaopaulo.org.br/sao-paulo/cf-2023-propoe-acoes-nos-ambitos-pessoal-comunitario-e-sociopolitico-para-o-combate-a-fome-no-brasil/

 

Relatora:
Renata D. Waksman
Presidente da Sociedade de Pediatria de São Paulo
Coordenadora do Blog Pediatra Orienta da SPSP