Desde 2007 comemora-se em 18 de fevereiro o Dia Internacional da Síndrome de Asperger, com o objetivo de conscientizar a sociedade a respeito dessa síndrome. A data, na ocasião, havia sido escolhida em homenagem ao aniversário de Johann Hans Friedrich Karl Asperger, pediatra, psiquiatra e pesquisador austríaco da Universidade de Viena. Hans Asperger estudava crianças consideradas “anormais” e foi quem primeiro descreveu as características dessa síndrome, em 1944.
No entanto, extremamente revoltante foi a revelação dos métodos utilizados por esse médico, que estraçalharam os princípios éticos mais básicos da medicina, o que justifica o questionamento tanto do dia escolhido para a comemoração, como o uso do termo epônimo que dá o nome Asperger ao transtorno. Historiadores encontraram dados que apontam ligações e contribuições de Hans Asperger ao nazismo, em seu empenho para eliminar crianças com deficiências, na busca de uma “raça pura”.
Segundo o livro “Asperger’s Children: The Origins of Autism in Nazi Vienna”, de Edith Sheffer, traduzido para o português por Alessandra Borrunquer e editado em 2019 com o nome “Crianças de Asperger: As Origens do Autismo na Viena Nazista”, o médico Hans Asperger foi responsável por encaminhar muitas crianças para experimentos médicos que as levariam à morte.
O nome “síndrome de Asperger” consta na 10ª edição da Classificação Internacional de Doenças – CID-10 (F84.5), mas foi retirado no CID-11. Em janeiro de 2022, a CID-11 deveria ter passado a valer no Brasil. Com isso, o termo deveria ter entrado em desuso. Além disso, o diagnóstico de “síndrome de Asperger” foi retirado da 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico das Perturbações Mentais (DSM-5).
Atualmente, os sintomas estão incluídos nas perturbações do espectro autista, a par do autismo e perturbação global do desenvolvimento sem outra especificação (PGD-SOE), considerando o diagnóstico como um tipo de autismo de grau mais leve.
O correto é se referir a esse transtorno como fazendo parte dos Transtornos do Espectro Autista (TEAs) e falamos atualmente em “Autismos” e não apenas em “Autismo”.
O que vêm então a ser os TEAs? São compreendidos como um conjunto heterogêneo de déficits no desenvolvimento comportamental, motor ou de linguagem, de causa multifatorial. Os indivíduos considerados dentro do espectro apresentam certas características, entre elas:
- Dificuldades na socialização (baixa capacidade de fazer amizades);
- Maneira peculiar de pensar e atuar, muitas vezes com linguagem pouco usual; e com dificuldade de entender uma linguagem mais abstrata ou figurativa;
- Conversa unilateral, geralmente sem muita troca com o interlocutor;
- Intenso foco em determinado assunto ou conhecimento. Ainda que muitas vezes possam mostrar-se extremamente capazes intelectualmente em uma determinada área, podem vir a apresentar inclusive dificuldades de aprendizagem em questões fora do foco determinado, principalmente quando é exigida uma compreensão mais simbólica;
- Falta de empatia, por apresentarem dificuldades em se colocar no lugar do outro, de entenderem as necessidades e perspectivas emocionais daqueles;
- Alguns apresentam movimentos descoordenados;
- Muitos se isolam em “seus próprios mundos”.
Há uma tendência, em certa medida irresponsável, de considerar algumas pessoas com traços de genialidade, que se destacam significativamente em certas áreas, como algumas portadoras desse transtorno, ainda que sem um diagnóstico de TEA comprovado por especialista.
A experiência de vida dos indivíduos com diagnóstico realmente comprovado não é exatamente fácil, ainda que se destaquem em algumas especialidades. Muitos sofrem de depressão, de crises de ansiedade e dificuldade de serem incluídos num universo que nem sempre lida bem com as diferenças. Acrescente-se o fato de que os portadores da síndrome necessitam de regras mais rígidas, mostram-se em inúmeras situações incapazes de regular suas respostas emocionais e de antecipar e entender o comportamento alheio, fato que pode gerar angústia e afastá-los do convívio social.
Há crianças e até adultos que podem apresentar algumas características da síndrome, e ainda assim não cumprirem muitos dos requisitos estabelecidos para um diagnóstico.
Mas, em todos esses casos, é sempre importante a avaliação de um especialista e cada vez mais está comprovado o quanto essas crianças e mesmo adultos dentro do espectro se beneficiam de terapias de abordagem psicanalítica. Estas não se dedicam a ensinar ao portador da síndrome como ser “normal’, com respostas adequadas e convenientes ao mundo: elas os auxiliam ao ouvi-los como indivíduos, ajudando-os na busca da subjetividade, e no encontro de maneiras próprias de estar no mundo sem tanto sofrimento e angústia.
É importante destacar o fato de que se estivermos atentos às alterações de desenvolvimento já nos bebês, ou o mais precocemente possível, maiores serão as chances de que os casos tenham um prognóstico mais favorável.
Relatora:
Fatima Maria Vieira Batistelli
Membro do Núcleo de Estudos de Saúde Mental da Sociedade de Pediatria de São Paulo