Dia Mundial de Conscientização do Autismo 2024

Dia Mundial de Conscientização do Autismo 2024

“Valorize as capacidades e respeite os limites” é o slogan que marca este ano o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. Uma importante recomendação para nos lembrar da importância da singularidade e do respeito às diferenças, que não estão presentes apenas nos transtornos, mas que ganham eloquência quando somos convocados a compreender um universo tão peculiar como o desses indivíduos.

No dia 2 de abril, a temática ganha destaque e com isso diminui o abismo separatista que pode tornar essa vivência ainda mais solitária, numa sociedade que tanto valoriza a adaptação e o desempenho.

Uma das importantes ressalvas é considerar que são “muitos autismos” e que um indivíduo com características de TEA – Transtorno do Espectro Autista precisa ser compreendido em sua individualidade, para que possamos facilitar sua inclusão e socialização. São ações que precisam estar nas prioridades das políticas públicas, mas que não deixam de ser responsabilidade de cada um de nós. E é nessa direção que o slogan nos convoca, para que possamos evitar os preconceitos e os estigmas.

Temos muito ainda a compreender. E muitos equívocos ainda impedem que essas crianças possam se desenvolver de forma mais rica, adquirindo capacidade de subjetivação, que faz com que elas se apropriem de sua existência e desejos. O engodo é muitas vezes se resignar na falsa informação de que é uma criança que só pode ser treinada e tornar-se apenas funcional.

O percurso histórico dos últimos 80 anos nos mostra o quanto já se avançou; mas é o interesse e o empenho de cada um de nós que permitirão que essas crianças que apresentam sinais de risco não sejam condenadas a um viver empobrecido.

O autismo foi primeiramente descrito e nomeado por Leo Kanner, em 1943, a partir da descrição de 11 casos de crianças que apresentavam forte tendência ao retraimento, sem, no entanto, terem características que justificassem um retardo mental. Kanner denominou essa síndrome de “autismo infantil precoce”.

Desde essa época, muitos estudos têm sido feitos com o intuito de compreender a etiologia do que hoje denominamos transtorno do espectro autista.

Pesquisas recentes falam a favor de causas multifatoriais para os TEAs, isto é, muitos são os elementos que podem compor a etiologia desse transtorno. Além de que por meio da epigenética (campo de pesquisa que investiga como os estímulos ambientais podem ativar determinados genes e silenciar outros), os estudos demonstram uma interação importante entre fatores genéticos e ambientais, reforçando consideravelmente o ponto de vista do ambiente da criança, tanto em termos gerais como emocionais.

O transtorno do espectro autista é considerado um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado pelos seguintes comportamentos, iniciados na infância:

  • Dificuldades ou incapacidade de se relacionar, isto é baixa interação social;
  • Ausência ou atraso na aquisição da linguagem;
  • Não dirige o olhar – esse muitas vezes é desviante ou é como se atravessasse o interlocutor;
  • Fala ecolálica, isto é, repetição de palavras ou frases ditas na TV ou em filmes que assiste, sem nenhuma intenção comunicativa;
  • Flappings (balanceio das mãos na altura dos ombros, como asas de pássaros) ou movimentos estereotipados (esses podem ser os mais variados: pular incessantemente, escrever no ar, etc.);
  • Manutenção rígida de rotinas, inclusive na alimentação;
  • Uso não simbólico dos brinquedos, isto é, esses não são usados para brincadeiras de faz de conta e nem utilizados para as funções às quais foram destinados;
  • Uso de pessoas como instrumento. É muito comum que em vez de pedir ajuda, a criança pegue a pessoa pela mão e a leve no lugar onde quer que ela faça alguma coisa. Por exemplo: pegar a mão e levar a uma gaveta ou porta para que seja aberta, sem nenhuma solicitação e nem mesmo um direcionamento de olhares
  • Não responde a um chamado;
  • Gira objetos ou gira em torno do próprio eixo;
  • Bastante sensibilidade a sons altos;
  • Preferência por objetos duros ou que causam sensações, muito mais do que usados com função lúdica

 

Muito tem sido estudado para compreender sua etiologia e saber como ajudar essas crianças e suas famílias. Alguns apontam para falhas precoces no desenvolvimento dos bebês antes mesmo de completarem um ano de idade, que podem ser consideradas portas abertas para os TEAs. No entanto, se detectadas a tempo e trabalhadas preferencialmente em sessões conjuntas pais-bebê, com o apoio de uma equipe multiprofissional, muitas conquistas significativas podem ser alcançadas. Há um fortalecimento dos vínculos, o que propicia um desenvolvimento mais satisfatório. Essa é a conduta adotada pela psicanálise.

Por muitos anos, a Análise do Comportamento Aplicada (ABA) foi o tipo de tratamento indicado para o autismo, por vários profissionais. Essa escolha devia-se à ideia de que o indivíduo dentro do espectro não teria condições de subjetivação, como proposta pela psicanálise, e deveria ser apenas treinado para uma adaptação. No ano passado a AMA (American Medical Association), compreendendo os avanços nas pesquisas psicanalíticas e as evidências de possibilidades de subjetivação e qualidade interativa, retirou seu apoio exclusivo à ABA por falta de evidências e por problemas que foram sendo evidenciados a longo prazo com crianças que haviam sido submetidas ao programa.

Torna-se, assim, imprescindível o estudo do desenvolvimento psíquico e como vamos trabalhar com essas crianças, dentro desse referencial que considera a psique e o emocional. Essa abordagem é mais abrangente do que o mero foco na modificação padronizada de comportamentos sociais não adaptados, pois, como vimos, cada criança é única, tem uma história de desenvolvimento, uma família, um psiquismo que lhe é próprio.

O atendimento dentro do referencial psicanalítico é erroneamente entendido como tratamento que conta apenas com comunicação verbal, uso do divã, análise de sonho, ou, no caso de análise infantil, de jogo simbólico, comunicação verbal. O exercício da psicanálise, principalmente para aqueles pacientes com questões sérias nas áreas emocional e cognitiva, relacionadas aos estágios iniciais do desenvolvimento, vai muito além disso. A ênfase recai sobre a técnica adaptada. O trabalho psicanalítico com crianças dentro do TEA vem sendo estudado e praticado com sucesso por profissionais qualificados, tanto no Brasil como em várias partes do mundo.

O grupo Prisma de Psicanálise e Autismo (GPPA), ligado à Sociedade de Psicanálise de São Paulo, desenvolveu uma pesquisa buscando analisar dados e material clínico do trabalho psicanalítico com crianças que apresentam TEA, avaliando as mudanças e os resultados em um período de 18 meses de tratamento. Ficou demonstrado que o tratamento psicanalítico oferece oportunidades efetivas para o desenvolvimento psíquico e emocional, com ganhos significativos em termos de habilidades sociais, sem treinamentos específicos e padronizado.

 

Saiba mais:

https://www.icdl.com/about/News/ama

 

Relatoras:

Denise de Sousa Feliciano
Psicóloga e Psicanalista pela International Psychoanalytical Association (IPA)
Membro Associado na Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP)
Professora e Coordenadora do curso Relação Pais-Bebê: Da Observação à Intervenção (Instituto Sedes Sapientiae)
Presidente do Núcleo de Estudos de Saúde Mental da Sociedade de Pediatria de São Paulo

 

Fatima Maria Vieira Batistelli
Psicóloga graduada pela Universidade de São Paulo (USP)
Membro Associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP)
Membro da clínica 0 a 3 Intervenção nas relações iniciais pais\bebê-criança pequena do Centro de Atendimento Psicanalítico da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo
Membro do Núcleo de Estudos de Saúde Mental da Sociedade de Pediatria de São Paulo