Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio

Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio

O dia 10 de setembro foi instituído como o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. O suicídio é um fenômeno humano complexo que representa um problema de saúde pública em todo o mundo. Existem vários comportamentos a ele relacionados, que vão desde a autoagressão ao gesto suicida, passando por ideias e tentativas de autoextermínio. Nos jovens que apresentam tentativas de suicídio, a ambivalência é comum: ao lado do desejo de morte, pode haver um pedido de ajuda.

A impulsividade característica da adolescência e o envolvimento com drogas de abuso constituem fatores de risco para o suicídio, bem como os transtornos mentais, pois a depressão maior se liga a pelo menos um terço dos casos, na população geral. O abuso de substâncias (principalmente álcool) está presente em cerca de um quarto dos casos e o transtorno bipolar do humor, a esquizofrenia e os transtornos de personalidade também apresentam alto índice de suicídios.

É importante não rotular o adolescente que tenta o suicídio, num momento de crise. Certos quadros e características ligadas a problemas muito próprios da fase, como ansiedade, autopercepção negativa e insatisfação corporal, bem como ser vítima de bullying ou cyberbullying, podem levar um jovem a desejar tirar sua vida. Ser excluído em seu contexto social, seja por problemas socioeconômicos, características raciais e sexuais ou abandono familiar, também podem ser estressores ligados ao problema.

No Brasil, as taxas de suicídio vêm subindo. A pandemia de Covid-19 aumentou a prevalência de doenças mentais, levando à previsão de um aumento da taxa de tentativas suicidas na população pediátrica (e também de modo geral) nos próximos anos.

Precisamos entender as tentativas de suicídio como aspectos de um problema maior: o sofrimento psíquico que pode culminar em condutas autodestrutivas. A adolescência é um momento de vulnerabilidade, em que é necessário fazer muitos lutos: separar-se simbolicamente dos pais e encarar o desafio de crescer e lidar com a sexualidade. Um bom acompanhamento nessa fase se faz necessário para, entre outras coisas, identificar possíveis transtornos mentais surgidos nesse momento.

Os estudos mostram que para cada suicídio completado há, em geral, várias tentativas anteriores. Estas são mais frequentes em adolescentes do sexo feminino, mas a diferença entre os sexos, no que tange a esta proporção, tem se reduzido com o tempo. Na população geral, há cerca de oito a dez tentativas para cada suicídio completado. Entre adolescentes, o número de tentativas é muito maior, em relação ao desfecho fatal. Tais dados demonstram a importância do tratamento adequado, das campanhas de prevenção e psicoeducação, bem como do trabalho de posvenção (apoio à rede de amigos e familiares após o suicídio de um membro), para reduzir as taxas de suicídio nos mais jovens.

  • Pontos importantes:

1 – O suicídio ainda é visto como tabu. Por isso a informação e a abordagem do problema em todas as instâncias envolvidas (escola, família e equipamentos de saúde) são importantes para identificar os casos, acolher e oferecer ajuda e tratamento aos jovens e crianças em sofrimento psíquico.

2 – Alterações de comportamento, isolamento social, ideias de autopunição, verbalizações pessimistas e de desistência da vida ou comportamentos de risco, devem ser vistos como sinais de alerta. O desejo de autolesão pode se ligar à impossibilidade de identificar soluções viáveis para os conflitos, optando-se pela morte como resposta ao estresse. Detectar e tratar adequadamente a depressão reduz as taxas de suicídio.

3 – Os serviços de saúde e profissionais, que atendem pessoas com tentativa de suicídio devem acompanhar estes pacientes pós-evento. Em geral, 15% a 25% das pessoas que tentam suicídio repetem a tentativa em um ano. A capacitação técnica dos profissionais e escolas visa detectar sinais e sintomas de depressão, sofrimento psíquico, uso de substâncias e problemas de ajustamento social no histórico do adolescente e criança.

4 – Devemos estar atentos aos antecedentes de doença mental, comportamento suicida, violência e discórdia familiar e situações de abuso físico e sexual sofridas pelos pacientes. Estes são fatores de risco para o suicídio em todas as faixas etárias. Comportamentos de risco também envolvem atitudes violentas e transgressoras do adolescente, agravadas em situação de vulnerabilidade social. A atitude parassuicida, que consiste em colocar-se em risco de acidentes ou brigas, pode expressar um desejo inconsciente de autoextermínio.

5 – O bullying é um fator de muito estresse para crianças e adolescentes e é pior tolerado por eles se há questões de autoestima. Redes sociais podem consistir em uma arena para o maltrato, quando o jovem se expõe buscando reconhecimento. Conteúdos ridicularizantes e fotos comprometedoras (como nudes) geram desmoralização e podem configurar “testes” que os grupos de adolescentes e pré-adolescentes fazem entre si. Aos pais, é importante considerar a maturidade do filho para os conteúdos e a exposição a telas, frequentemente inadequadas à sua faixa etária.

6 – Há recomendações da OMS para evitar alarde e sensacionalismo sobre casos de suicídio, para evitar estimular pessoas a repetir o comportamento. Porém, isso não significa que não se deva falar sobre o assunto. É importante cuidar e acolher pais, cuidadores e pares de crianças e adolescentes que tentam ou cometem suicídio. Em países que realizam campanhas de prevenção e há sistema de saúde mental eficiente, nota-se redução das taxas de suicídio e menor cronificação do problema, nos pacientes em que se nota a tendência à autoagressão como forma de lidar com o estresse e a dor psíquica.

 

A construção da autoestima é um processo complexo que envolve fatores ambientais, contexto social e vulnerabilidade individual. A valorização da vida, o esporte e a religião, a comunicação intrafamiliar e o apoio e o suporte ao ser em desenvolvimento são responsabilidade de todos, pois crianças e adolescentes necessitam de referências estáveis e de um ambiente que os acolha e os estimule. A resiliência e a capacidade de lidar com as adversidades da vida são aprendizados iniciados nos primeiros anos de vida, por meio da confiança básica no cuidado ambiental que leva à introjeção da capacidade de acreditar em si mesmo.

Porém, até a adolescência, as crises e eventos que levam ao sofrimento psíquico são oportunidades para que o indivíduo receba a ajuda necessária, e o pediatra tem papel fundamental no encaminhamento dos casos que apresentam maior risco de adoecimento mental.

 

Saiba mais:

  1. Cais CFS, Mello TMV, Barbosa MK.Macro e micro-olhares na prevenção do suicídio: um aprendizado de mão dupla. Rev Bras Psicanal [online]. 2019;53(4)[citado 2022-08-31]:193-206. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0486-641X2019000400013&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 0486-641X.
  2. Cassorla RMS. Estudos sobre suicídio: Psicanálise e saúde mental. São Paulo: Blucher 2021.

 

Relatora:
Arianne Monteiro Melo Angelelli
Psiquiatra da Infância e Adolescência
Núcleo de Estudos de Saúde Mental da Sociedade de Pediatria de São Paulo

 

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