Diagnóstico da infecção por Helicobacter pylori

O diagnóstico da infecção por H. pylori pode ser realizado através de testes invasivos e não invasivos, conforme a necessidade de endoscopia (quadro). Em crianças, geralmente os métodos usados no diagnóstico primário da infecção são os métodos invasivos, uma vez que o diagnóstico ocorre na investigação endoscópica de sintomas gastrointestinais.

Quadro. Métodos diagnósticos disponíveis para a infecção por H. pylori
Métodos Invasivos Métodos não invasivos
Histologia
Teste rápido da urease
Cultura e Exame Direto
Teste respiratório com uréia marcada
Teste do antígeno fecal
Sorologia

Histologia. O exame histológico permitiu a identificação da bactéria quando de sua descrição inicial. O exame possui o inconveniente de necessitar endoscopia para a sua realização, além de ser considerado um exame de alto custo. Por outro lado, permite o diagnóstico diferencial com outras causas de gastrite, assim como a identificação de complicações da infecção (atrofia gástrica ou metaplasia intestinal). Duas colorações são empregadas: a coloração a base de prata (Warthin-Starry) e o método de Giemsa modificado, método mais barato, amplamente disponível e que permite fácil identificação da bactéria, com sensibilidade de 88%-93% e especificidade 98% a 100%, enquanto a coloração  hematoxilina-eosina é empregada para a avaliação da gastrite1. A principal limitação do exame histológico, quanto a sua acurácia, é que ele pode ser afetado pelo uso recente de medicações, como sais de bismuto, antibióticos (até um mês), inibidores de bomba de prótons (até 14 dias) e bloqueadores H2 (7 dias). Estas drogas podem levar a falsos negativos, pela diminuição da densidade e indução de formas de resistência mais dificilmente detectáveis.

Teste rápido da urease. Este exame é geralmente realizado pelo endoscopista, e consiste em uma solução de uréia com um marcador de pH. Na presença de um fragmento de mucosa com H. pylori, o marcador de pH modifica a cor da solução, devido a sua alcalinização pela urease bacteriana. Existem diversas soluções, tanto comerciais quanto “caseiras”, as quais possuem grande acurácia, com sensibilidade e especificidade acima de 90%1⁠. De um modo geral, as soluções “caseiras” são mais sensíveis, pois não são tamponadas. Neste caso, o médico endoscopista deve estar atento à qualidade dos reagentes e seu correto armazenamento. O exame possui baixo custo e é amplamente disponível. Assim como ocorre com a histologia, o teste rápido da urease também tem sua sensibilidade comprometida pelo uso prévio de medicações. Além disto, em pacientes com hemorragia digestiva alta há mais resultados falsos positivos.

Diagnóstico Microbiológico. O exame direto de uma lâmina na qual foi rolado um fragmento de mucosa gástrica é feito em alguns laboratórios, mas é um método menos acurado que a urease, com sensibilidade entre 60 e 80%, além de custar mais. Na literatura médica, o exame direto não é um método clinicamente relevante. Por outro lado, a cultura da bactéria é o método diagnóstico mais específico, mas apresenta sensibilidade entre 50 e 90%, que varia principalmente com a experiência do laboratório. O cultivo da bactéria permite o teste da suscetibilidade microbiana às drogas, especialmente claritromicina, amoxicilina, tetraciclina, metronidazol e furazolidona. Tanto a cultura como o exame direto são menos acurados em pacientes que usaram recentemente antibióticos, sais de bismuto, inibidores de bomba de prótons e ranitidina.

Teste respiratório com uréia-13C. Este método também depende da atividade da urease bacteriana, a qual degrada a uréia marcada em gás carbônico marcado e amônia, sendo o primeiro detectado na respiração. Para tanto são empregadas duas leituras, sendo uma basal e uma 30 minutos após a ingestão do marcador diluído em suco de fruta. O método apresenta grande acurácia, com sensibilidade e especificidade acima de 95%2,3, sendo causas de falsos negativos o uso prévio de medicações que inibam a atividade da urease (citadas acima) e de falsos positivos a retenção do marcador na cavidade oral, o que pode ocorrer em lactentes particularmente. O teste respiratório é hoje considerado o melhor método não invasivo para o controle do tratamento da infecção.

Teste do antígeno fecal. Trata-se de um ensaio imunoenzimático direto que detecta antígenos bacterianos em amostra de fezes. Inicialmente o método empregava anticorpos policlonais, mas recentemente foi desenvolvido ensaio com anticorpos monoclonais. Ambos são acurados, com sensibilidade e especificidade acima de 94% em pesquisas que validaram o método em nosso meio4. No entanto, os resultados só foram alcançados após modificação da técnica proposta pelo fabricante (no caso do ensaio com anticorpos policlonais) e após mudança no ponto de corte (no caso dos anticorpos monoclonais), reforçando a necessidade de validação do método pelo laboratório que vai executá-lo, comum aliás a todos os imunoensaios. O método possui as mesmas restrições dos exames anteriores, quanto a medicações usadas recentemente, e também não pode se realizado com fezes diarreicas. Atualmente este método não está disponível comercialmente no nosso meio.

Sorologia. A detecção de anticorpos específicos anti-H. pylori foi o primeiro método não invasivo descrito. Atualmente a técnica mais empregada é o imunoensaio para a detecção no soro de anticorpos IgG específicos. As principais vantagens do método são sua simplicidade e não ser afetado pelo uso recente de medicações, o que também torna o método pouco confiável para controle de tratamento. A grande desvantagem é a necessidade de validação do método na população local e a menor acurácia observada entre crianças, quando a sensibilidade cai para 44,4 – 83% e a especificidade para 70,6 – 90,9%5. A sorologia é o método não invasivo menos acurado, dentre os descritos neste texto.

Conclusão. O diagnóstico primário da infecção, em criança sintomática, deve ser feito em endoscopia digestiva alta, usando o teste rápido da urease ou o exame histológico, não havendo necessidade de usar os dois métodos simultaneamente. Excepcionalmente, em pacientes em investigação de púrpura trombocitopênica idiopática e em pacientes assintomáticos, o diagnóstico primário pode ser feito por método não-invasivo, preferencialmente o teste respiratório. Este método é o indicado também para controle de tratamento, sendo realizado pelo menos um mês após o fim do tratamento. Pacientes que já tiveram duas ou mais falhas terapêuticas devem realizar cultura para antibiograma. Finalmente, a sorologia pode ser útil em adolescentes que estão em uso de medicação, como anti-secretores ou antimicrobianos, especialmente quando a medicação não pode ser suspensa.

Referências

  1. Ogata SK, Kawakami E, Patrício FR, Pedroso MZ, Santos AM. Evaluation of invasive and non-invasive methods for the diagnosis of Helicobacter pylori infection in symptomatic children and adolescents. Sao Paulo Med J. 2001;119:67-71.
  2. Machado RS, Patrício FRDS, Kawakami E. 13C-urea breath test to diagnose Helicobacter pylori infection in children aged up to 6 years. Helicobacter. 2004;9:39-45.
  3. Kawakami E, Machado RS, Reber M, Patrício FRS. 13 C-urea breath test with infrared spectroscopy for diagnosing helicobacter pylori infection in children and adolescents. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2002;35:39-43.
  4. Raguza D, Granato CFH, Kawakami E. Evaluation of the stool antigen test for Helicobacter pylori in children and adolescents. Dig Dis Sci. 2005;50:453-7.
  5. de Oliveira AM, Rocha GA, Queiroz DM, et al. Evaluation of enzyme-linked immunosorbent assay for the diagnosis of Helicobacter pylori infection in children from different age groups with and without duodenal ulcer. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 1999;28:157-61.

Relator:
Rodrigo Strehl Machado
– Médico endoscopista infantil da Casa de Saúde Santa Marcelina e Doutor em Ciências pela Disciplina de Gastroenterologia, Hepatologia e Endoscopia do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP.

Texto encaminhado à SPSP por Mauro Sérgio Toporovski – Presidente do Departamento Científico de Gastroenterologia da SPSP (gestão 2007-2009).

Texto divulgado em 26/06/2009.