Dezembro é o mês de conscientização e luta contra a Aids. Os primeiros casos notificados de HIV/Aids são do início da década de 1980, sendo a primeira criança notificada no Brasil do ano de 1987. Transcorridas quatro décadas desde então, assistimos a importantes avanços no diagnóstico, tratamento e monitoramento da infecção, convertendo a Aids de doença grave potencialmente fatal para infecção crônica controlável. Junto com esse avanço, houve toda uma mudança do perfil da doença na área materno-infantil.
É importante relembrar ou informar que temos formas bem definidas de transmissão e dentro da população pediátrica a principal é a chamada transmissão vertical, que é aquela transmitida da mãe para o filho, que pode acontecer na vida intraútero, durante o parto ou no aleitamento materno.
Assistimos ao aumento da sobrevida dos pacientes em geral, incluindo as crianças, e redução das infecções oportunistas, e com isso um “envelhecimento” da população pediátrica que nasceu com o vírus HIV, com 80%-90% dos pacientes pediátricos infectados hoje já adolescentes, jovens e muitos adultos. Muitos deles são já mães e pais, ou seja, já estamos frente à terceira geração que vive ou convive com o HIV e a excelente
notícia é que a imensa maioria dessas crianças, nascidas de pais que vivem com HIV por transmissão vertical, nasceram livres de HIV e saudáveis.
Tudo isso acontece graças ao protocolo de prevenção de transmissão vertical, que é um conjunto de medidas que começam antes mesmo da concepção, acontecendo durante toda a gestação, com tratamento contínuo da gestante e se mantendo com o bebê usando medicação por 28 dias, realizando exames e não sendo amamentado com leite materno.
Esse conjunto de medidas, quando realizadas na sua totalidade, faz com que a taxa de transmissão vertical seja reduzida de até 30% a 40% quando não acontece o tratamento, para taxas menores de 2%, quando todo o protocolo ocorre.
Em paralelo a esse crescimento da população pediátrica, com a maternidade e paternidade neles, tivemos também todo um incentivo à saúde sexual, reprodutiva e garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, que associados aos avanços do protocolo de
prevenção da transmissão vertical, possibilitaram que muitas famílias que vivem com HIV realizassem o sonho de constituir uma família e ter filhos.
O Brasil é um país de referência mundial no tratamento de HIV/Aids e mostra-se também
como um país de ponta na abordagem da prevenção da transmissão vertical. Temos as medicações antirretrovirais distribuídas pelo SUS em 100% do território nacional. O cumprimento correto do protocolo e o trabalho incessante dos profissionais da saúde, associados a investimentos sustentáveis no diagnóstico, tratamento e manejo clínico do binômio mãe-filho, possibilitaram que o Brasil iniciasse o processo de certificação da eliminação da transmissão vertical do HIV no nosso país em 2017, seguindo todas as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), iniciando a premiação para municípios que tivessem transmissão vertical menor que 2% e todo o cumprimento dos protocolos em diferentes níveis (gestão, processos, garantia de respeito aos direitos humanos, entre outros).
O processo se iniciou em 2017 certificando Curitiba (PR), mantendo-se o trabalho constante no transcorrer desses anos, atingindo em 2024 a marca de 151 municípios e 19 Estados com algum tipo de certificação pela eliminação ou selo de boas práticas para HIV, sífilis e/ou hepatite B. Importante ressaltar que o município de São Paulo está certificado da eliminação da transmissão vertical desde 2019 e o Estado de São Paulo desde 2023.
E o trabalho não acaba. O Brasil está requerendo à OMS a certificação nacional este ano, de país eliminado da transmissão vertical do HIV, estando toda a documentação em avaliação.
É importante ressaltar que eliminar o agravo não significa que não temos mais a transmissão, mas sim que esta atinge parâmetros muito baixos (menores de 2%), permitindo a avaliação da certificação. A transmissão infelizmente ainda existe em alguns casos e nós profissionais da saúde estamos sempre aqui, lutando contra ela.
E como pode ser a participação da população geral, que não vive com HIV nesse processo? Todos podem auxiliar muito, se aproximando do tema, lutando contra o estigma, preconceito e discriminação, que se mostram como os grandes obstáculos aos diagnósticos e tratamentos, incluindo as gestantes vivendo com HIV, interferindo diretamente no risco de transmissão vertical e na saúde do bebê.
Relatora:
Daniela Vinhas Bertolini
Membro do Departamento Científico de Infectologia da SPSP


