Ficar isolado: o que isso significa para o adolescente?

Ficar isolado: o que isso significa para o adolescente?

Sociedade de Pediatria de São Paulo
Texto divulgado em 26/05/2021


Quando pensamos em adolescente e isolamento, logo recordamos daquele indivíduo que fica o tempo todo no quarto com a porta fechada e quando sai de lá, troca 4 ou 5 palavras com o resto da casa e rapidamente já volta para seu refúgio, e que, no geral, odeia ser interrompido.

Na era pós-Covid-19, essa imagem mudou. Antes esse ser se isolava da família, mas estava extremamente conectado e presente na vida dos seus pares, seja na escola, na comunidade ou até mesmo nas redes sociais. Hoje em dia, esses ambientes estão resumidos à tão infame tela, à escola, à família, às amizades, todo meio social e as relações afetivas estão acontecendo no meio virtual.

É muito nítida, compreendida e trabalhosa a transformação do bebê na criança que corre, lê, opina e distribui abraços, mas quando pensamos na evolução de uma criança em um adulto confiante, responsável, autônomo e com um futuro profissional, na maioria das vezes torcemos o nariz…é o tal adolescente. Essa trajetória igualmente trabalhosa, além de ser um momento de muitas transformações corporais, é também quando lidamos com a aquisição de novas habilidades intelectuais, capacidade de lidar com abstrações, autocontrole e da troca ou amadurecimento dos papéis sociais e sedimentação da identidade que caracterizam essa fase do desenvolvimento. É um momento em que todos os sentimentos são intensos, nada fica no meio termo: a raiva é muita raiva, o amor é eterno, o carinho é infinito e o cansaço, exaustão. Lidar com tudo isso e ainda estar em isolamento social, restrito as telas, distante dos colegas, da escola e de todos os ambientes tão fundamentais para que essas novas aquisições sejam descobertas, experimentadas, testadas e amadurecidas, somadas a atual vivência de algo que jamais foi esperado, torna tudo muito mais complicado.

É esperado que, nesse momento único na vida dos filhos associado a atual instabilidade externa, o estresse intensifique as emoções do medo e da ansiedade. Se isso está acontecendo, um caminho para dar vazão a esses sentimentos e sensações se torna necessário. Mas como fazer isso? Restringir o tempo de telas? Proibir de jogar videogame? Como lidar com o tédio, o isolamento do adolescente da família e as consequências do excesso ou do mau uso das telas? Além disso, sabendo da função do social para o bem-estar dos adolescentes, como manter contatos saudáveis, ainda que a distância?

Conecte-se, qual será o interesse atual dele? Procurando momentos improváveis, mantenha os espaços para conversas abertos, seja no carro, no jantar, durante um jogo em família ou enquanto fazemos uma faxina. Pergunte a opinião dele sobre uma notícia. Conte como era a sua vida naquela idade, como se virava sem celular ou internet (sem fazer julgamentos se era melhor ou pior), o que fazia de errado, quais as enrascadas que você escapou? Seja sincero! Se o excesso de informações sobre o coronavírus estiver causando muitas angústias, limite o acesso para todos em casa.

Tendo em vista que ainda somos o exemplo a ser seguido e contestado, tente fazer uma rotina familiar coletiva, dividindo os afazeres da casa, da escola e do trabalho com o tempo de tela e para o lazer. Procure incorporar alguns combinados entre a família, seja para melhorar o sono, a alimentação; reconheça as falhas quando acontecerem e tente de novo, colaborando entre si, demostrando insegurança, raiva e frustração ou orgulho nas pequenas conquistas.

Continue encarando esse momento como difícil e desgastante para todos, as incertezas e as questões financeiras podem estar tornando o ambiente mais propício para que ocorram conflitos, intolerâncias e para as emoções serem ignoradas. Respire, tente identificar e lidar com as emoções, faça seu melhor, ou faça simplesmente o possível, mas não deixe de pelo menos tentar e sempre busque ajuda quando não souber o que fazer. Isolamento não é sinônimo de solidão e tristeza muito menos de doença.

 

Relatora:
Gabriella Lube
Núcleo de Estudos da Depressão entre Crianças e Adolescentes da Sociedade de Pediatria de São Paulo

 

Foto: hay dmitriy | depositphotos.com