1. O que é o Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil (LESJ)?
O Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil (LESJ) é uma doença autoimune, isto é, o nosso próprio organismo produz anticorpos contra si mesmo, e se caracteriza por uma inflamação que pode atingir todo o corpo. A depender do paciente, há possibilidade de acometimento de alguns ou vários órgãos e sistemas do corpo, tais como: pele, articulações, rins, sangue, coração, pulmões, sistema nervoso, vasos, entre outros. O lúpus pode afetar qualquer órgão do corpo. Porém, as manifestações clínicas iniciais mais freqüentes do LESJ compreendem febre prolongada, falta de apetite, perda de peso, comprometimento articular, da pele e dos rins. Caracteristicamente, o lúpus juvenil tem início até os 16 anos de idade.
2. É uma doença freqüente?
O LESJ é a terceira doença mais freqüente nos nossos ambulatórios de Reumatologia Pediátrica, depois de febre reumática e artrite idiopática juvenil. A real incidência de LESJ é desconhecida em nosso país. Dados provenientes de países da América do Norte, Europa e Japão indicam que cerca de 0,3 a 7,0 pacientes em cada 100.000 crianças e adolescentes têm essa doença. Há um predomínio do sexo feminino, em todas as faixas etárias, sendo que antes da adolescência é 2 a 3 vezes e após a adolescência é de 8,0 a 13 vezes, mais freqüente no sexo feminino.
3. O que causa o Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil (LESJ)?
A causa exata do LESJ ainda não é conhecida. Fatores hormonais (estrógeno), infecciosos (vírus, bactérias, etc), emocionais, ambientais (luz ultravioleta) e medicamentos (anticonvulsivantes, hidralazina, isoniazida, etc) podem dar início à doença em pessoas que têm uma predisposição familiar ou por alteração no seu sistema de defesa.
Como conseqüência, o indivíduo produz anticorpos direcionados contra seus próprios tecidos (os auto-anticorpos, como anti-DNA, anticorpos anti-fosfolípides). Por isto, o lúpus é conhecido como uma doença autoimune. Esses auto-anticorpos vão se depositando em vários órgãos.
O lúpus não é uma doença infecto-contagiosa e os pacientes podem (e devem) freqüentar normalmente creches, escolas, clubes, danceterias e piscinas, com os devidos cuidados, quando a doença estiver controlada.
4. Há diferenças entre o Lúpus Eritematoso Sistêmico da criança ou adolescente e do adulto?
O lúpus da criança e do adolescente, embora seja mais raro, apresenta basicamente as mesmas características do lúpus do adulto. Do total de pacientes com lúpus, 20% se encontram na faixa etária pediátrica (até 16 anos).
A principal diferença entre a doença do adulto e a juvenil se dá no comprometimento renal, mais freqüente e com formas mais graves na forma juvenil. Os critérios diagnósticos utilizados para o LESJ são os mesmos e o tratamento bastante similar ao adulto, com ênfase nas vacinações e no acompanhamento do crescimento e desenvolvimento da criança e adolescente.
5. Como se diagnostica a doença?
O diagnóstico do LESJ baseia-se nos critérios estabelecidos pelo Colégio Americano de Reumatologia de 1997. Para o diagnóstico de LESJ é necessária a presença de quatro ou mais dos 11 critérios. Estes critérios podem aparecer todos ao mesmo tempo ou demorar alguns meses para o diagnóstico definitivo da doença (em média de 4 meses).
Ainda existem poucos exames laboratoriais específicos para esta doença. Nos casos de dúvida diagnóstica, a opinião e o seguimento com um especialista podem ser de grande auxílio.
6. Quais as manifestações, os órgãos e os sistemas mais acometidos no Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil (LESJ)?
A característica principal do LESJ é o acometimento de vários órgãos e sistemas, com diferentes formas de apresentação. Portanto, cada caso é único e deve ser individualizado. O início dos sintomas pode ocorrer vagarosamente ou se apresentar já nas primeiras semanas da doença com manifestações clínicas súbitas e graves, com qualquer órgão acometido. É uma doença de evolução imprevisível, possui caráter crônico com períodos de remissão e exacerbação das manifestações clínicas.
As principais manifestações clínicas iniciais do LESJ compreendem febre prolongada, redução do apetite, perda de peso, alteração articular, da pele e dos rins.
Os comprometimentos das articulações, músculos e ossos são vistos em até 88% dos casos com LESJ. Habitualmente, os pacientes apresentam dores articulares ou artrites (dor, inchaço, calor e limitação). Inflamação nos músculos (miosite, com fraqueza muscular) pode ocorrer nos períodos de atividade da doença.
As lesões de pele e mucosa no LESJ podem se apresentar de diversas formas incluindo mancha vermelha no rosto, úlceras na boca ou nariz, púrpura palpável (manchas vermelhas na pele), urticária (placas com coceira), vermelhidão na planta dos pés e palma das mãos e bolhas na pele. A vermelhidão que se inicia ou aumenta pela exposição solar (fotossensibilidade) é encontrada em cerca de 50% dos pacientes, habitualmente localizada em face, pescoço, braços e pernas.
A doença renal (nefrite) ocorre no início da doença, geralmente nos primeiros dois anos, com uma freqüência que pode ser de 70 a 100% dos pacientes. As alterações no exame de urina são variadas podendo ocorrer sangramento e/ou perda importante de leucócitos (glóbulos brancos) e proteínas na urina. Os pacientes podem também apresentar aumento de pressão arterial, inchaço e perda da função dos rins (insuficiência renal). A biópsia renal é indicada nos pacientes com manifestações clínicas da doença renal e/ou alterações laboratoriais persistentes e/ou graves, para individualizar o tipo da nefrite e propor tratamento específico.
A doença em sistema nervoso e psiquiátrico ocorre em até 50% das crianças e adolescentes com LESJ. As manifestações clínicas mais freqüentes são: dor de cabeça de forte intensidade (como enxaqueca), convulsão, distúrbios do comportamento (alucinações, depressão), raramente derrame (acidente vásculo-cerebral – AVC) e coma.
O comprometimento hematológico (do sangue) no LESJ pode se manifestar com redução no número das plaquetas, dos glóbulos vermelhos (anemia) e/ou brancos. A queda no número de plaquetas pode levar a sangramentos locais (na pele, nariz, boca) ou generalizados e a anemia se apresenta com palidez e/ou icterícia (olhos amarelados). A queda de glóbulos brancos aumenta o risco de infecções.
O comprometimento dos pulmões no LESJ é geralmente inicial, ocorrendo em até 50% dos pacientes. A principal manifestação da doença pulmonar lúpica é a pleurite (com ou sem líquido na pleura).
O envolvimento do coração ocorre em até 50% dos casos, sendo a anormalidade mais freqüente a inflamação da membrana que recobre o coração (pericardite), que ocorre em 12 a 40% dos pacientes.
7. Qual o tratamento do Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil?
Uma boa relação entre médico, paciente e seus familiares, será importante para o sucesso do tratamento, uma vez que a sua duração é prolongada. Este deve ser sempre individualizado e é fundamental a educação sobre a doença e bons hábitos de vida.
A nutrição deve ser balanceada com diminuição de sal para os pacientes com pressão alta e pacientes em uso de corticosteróides, e diminuição de sal e proteína para os pacientes em diminuição da função dos rins. Os esportes e atividades de lazer são indicados sempre que a doença estiver controlada.
O protetor solar que bloqueia os raios ultravioleta A e B (UVA e UVB), com Fator de Proteção Solar (FPS) igual ou superior a 30, deve ser indicado em todos os pacientes e aplicado 30 minutos antes da exposição solar, mesmo em dias nublados, com reaplicação após 4 horas. As lâmpadas fluorescentes, com emissão de UVB, presentes nas residências e escolas, também emitem raios ultravioleta. Os pacientes devem também evitar a exposição solar entre as 10 e 16 horas e se forem à piscina ou praia devem ser estimulados uso de boné, guarda-sol e FPS administrado a cada hora em todo corpo.
Os corticosteróides (como prednisona e prednisolona) e os anti-maláricos são os medicamentos iniciais de escolha para uso em pacientes com LESJ. Em crianças com impossibilidade de fazer uso da medicação por via oral, poderão ser utilizados corticosteróides injetáveis (hidrocortisona ou metilprednisolona), por injeção na veia.
Os corticosteróides não devem ser suspensos ou reduzidos sem orientação médica, sob risco de graves complicações. Os efeitos colaterais dos corticosteróides mais freqüentes em crianças com LESJ incluem: face em lua cheia, obesidade, estrias, aumento dos pêlos, infecções, catarata, parada do crescimento, úlcera do estômago, pressão arterial alta e osteoporose. Deve-se suplementar cálcio e vitamina D, reduzindo a osteoporose e as suas complicações a médio e longo prazo.
A pulsoterapia na veia (por três dias mensalmente) com metilprednisolona é utilizada em situações de gravidade no LESJ. Os anti-maláricos (difosfato de cloroquina ou sulfato de hidroxicloroquina) devem ser utilizados, quando possível, em todos os casos de LESJ.
Outros medicamentos podem ser utilizados no controle dos pacientes com LESJ, habitualmente os que não respondem aos corticosteróides e anti-maláricos, e variam de acordo com o órgão ou sistema envolvido. As medicações mais utilizadas são: ciclofosfamida, metotrexate, azatioprina, micofenolato de sódio, ciclosporina, talidomida, dapsona, entre outros.
O uso de um ou mais medicamentos implica em um seguimento cuidadoso e periódico, com consultas e exames laboratoriais seriados, com o objetivo de avaliar a inflamação, detectar e tratar possíveis eventos adversos.
Deve-se evitar a aplicação de vacinas de vírus vivos em pacientes em uso de corticosteróides e imunossupressores. Converse sempre com o seu médico antes de administrar vacinas no seu filho e nas crianças com contato com o paciente com LESJ. Em caso de suspeita de infecção, o seu médico deve ser sempre consultado imediatamente.
8. Quanto tempo dura o tratamento do Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil (LESJ)?
É muito variado e depende do órgão ou sistema comprometido. Habitualmente, o tratamento continua até o final da adolescência, devendo ser utilizadas doses mínimas ou mesmo a suspensão dos corticosteróides (como a prednisona e prednisolona). No entanto, alguns casos podem apresentar doença crônica com períodos de melhora e piora que persistem até a vida adulta. Nestes pacientes deve ser feita uma transição lenta para o reumatologista de adultos.
O uso de álcool e fumo deve ser evitado. Muitos adolescentes são “inconformados ou rebeldes” ao tratamento e devem ser conscientizados quanto à importância do uso contínuo de medicamentos pelo risco de óbito na suspensão destes. A responsabilidade, que sempre é dos pais ou responsáveis até os 18 anos de idade, deve ser transferida gradualmente ao paciente de maneira firme e segura.
9. O que pode acontecer se o tratamento para o Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil (LESJ) for interrompido?
A interrupção do tratamento sem orientação médica pode ter conseqüências graves e irreversíveis, como piora importante da doença e risco de óbito. Os pais devem controlar a ingestão dos medicamentos e conversar com os filhos sobre a doença, reforçando a importância do tratamento, especialmente nos casos de pacientes adolescentes “inconformados ou rebeldes”.
10. Como é a sexualidade e fertilidade dos adolescentes com Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil (LESJ)?
A sexualidade do homem e da mulher e a fertilidade da mulher (capacidade futura de ter filhos) são habitualmente normais. A primeira menstruação e a primeira ejaculação nos pacientes com LESJ podem demorar um pouco a aparecer, mas elas vêm normalmente entre 12 e 15 anos.
Atividade sexual deve ser sempre realizada com preservativos (camisinha masculina ou feminina), em todas as relações. Os preservativos evitam a gravidez e as doenças sexualmente transmissíveis (como a AIDS, gonorréia, sífilis, cancro). Lembrar sempre de verificar a validade da camisinha, usar adequadamente no pênis ereto e cada camisinha em uma única vez. Nas jovens que mantêm atividades sexuais freqüentes deve ser utilizado o anticoncepcional com progesterona. Este deve ser sempre orientado por seu reumatologista pediátrico e/ou ginecologista.
11. Como é a evolução dos pacientes com Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil (LESJ)?
Com o diagnóstico feito no início da doença e tratamento eficiente, a evolução do paciente com LESJ melhorou muito e as crianças estão se tornando adolescentes e adultos com boa qualidade de vida física e mental.
Sentimentos como tristeza, mágoa, culpa e raiva são freqüentes nas crianças e adolescentes com LESJ. O diálogo com o médico permite que pacientes e familiares expressem seus sentimentos e medos em relação à doença e aos medicamentos utilizados. Em casos de angústias maiores pode ser necessário acompanhamento com psicólogo ou psiquiatra.
Atualmente, um paciente com LESJ tratado adequadamente tem grande possibilidade de se tornar um adulto portador de uma doença crônica controlada. Como todo ser humano, este precisará ser estimulado a estudar, ter sua futura profissão e constituir sua própria família.
Autoria: Sociedade Brasileira de Reumatologia (última atualização 5/5/2005).
Transcrito do portal da Sociedade Brasileira de Reumatologia mediante autorização” para o Grupo Gerencial do Departamento de Reumatologia da SPSP – gestão 2007-2009 (Dra. Silvana B. Sacchetti, Dr. Roberto Marini e Dra. Maria Teresa Terreri).
Texto recebido em 3/6/2008.