Mais informação, menos preconceito*

Mais informação, menos preconceito*

Em 2007, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu o dia 2 de abril como o “Dia Mundial de Conscientização Sobre o Autismo”, com o intuito de difundir informações e consequentemente reduzir a discriminação e o preconceito que cercam as pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

O autismo foi descrito pela primeira vez em 1943, mas só em 1980 passou a ser reconhecido como uma condição específica do neurodesenvolvimento, constando no Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais (DSM), criado pela Associação Americana de Psiquiatria.

Desde então, temos acompanhado um aumento progressivo na prevalência do TEA no mundo todo. Desde 2000, O CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA) faz, a cada 2 anos, uma estimativa da prevalência de autismo no país entre crianças de 8 anos. Inicialmente, a prevalência era estimada em 1 para cada 150 crianças. Em 2010, esse número já era de 1 para cada 68 crianças e os dados mais recentes estimam que 1 a cada 36 crianças de 8 anos nos EUA seja autista. Isso corresponde a um aumento na prevalência de TEA de 317% desde 2000.

 

Fonte: https://tacanow.org/press-release/autism-prevalence-is-now-1-in-36/

 

Esses dados nos levam à inevitável reflexão a respeito dos motivos que estariam por trás desse aumento tão significativo. Podemos citar mudanças sociais e culturais que levam a fatores de risco para o TEA, como idade avançada dos pais (principalmente do pai), aumento das taxas de prematuridade extrema, de baixo peso ao nascer e de gestações múltiplas. Outros fatores ambientais são ainda estudados, como mudança dos hábitos alimentares e aumento da poluição.

Entretanto, essa elevação tão relevante na prevalência tem certamente como principal impulsionador o aumento dos diagnósticos de TEA. Isso ocorreu em decorrência do surgimento de melhores ferramentas para uso clínico, maior difusão de conhecimento e capacitação de profissionais de saúde e amplas campanhas para triagem ativa de TEA nas consultas de puericultura, como a realizada pela Academia Americana de Pediatria (AAP) desde 2006 e pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) desde 2017. Isso permitiu uma melhor acuidade no diagnóstico precoce, assim como o diagnóstico de casos com sintomas mais leves e com menor grau de suporte. Somado a isso, passamos por mudanças nos critérios diagnósticos, como a adoção de um termo único “Transtorno do Espectro do Autismo”, em vez de diversos diagnósticos independentes (síndrome de Asperger, transtorno invasivo do desenvolvimento, transtorno desintegrativo da infância, entre outros), a partir do DSM-5, em 2013. Houve também uma mudança acerca do conhecimento da população leiga a respeito do TEA e hoje as famílias e educadores já são muito mais atentos a sinais de alerta e mais aptos a buscar avaliações e terapias precocemente.

Por fim, o desenvolvimento de terapias eficazes direcionadas para o TEA fez necessária a formalização do diagnóstico para que os indivíduos pudessem ter acesso aos tratamentos, seja no setor público, seja no setor privado de saúde.

Além disso, podemos refletir sobre as mudanças na sociedade quanto à inclusão e à valorização das diferenças. Isso possibilitou que mais pessoas passassem a conviver com indivíduos com autismo em suas relações diretas (seja na escola, no trabalho, na família e nos mais diversos equipamentos sociais).

O autismo não é uma doença, não é uma “condição”, mas sim um jeito de funcionar no mundo, com características que podem levar a dificuldades de adaptação a condições usuais, como alterações no processamento sensorial (podendo ser hipo ou hiper-responsivo a estímulos sensoriais); presença de estereotipias ou movimentos repetitivos; presença de rituais e apego a rotinas e organização; dificuldade de interpretação de linguagem não verbal (gestos e expressões); dificuldade de interpretação de metáforas, de expressões não literais e de duplo sentido ou de fazer inferências; hiperfoco em alguma atividade ou assunto.

A maior compreensão do diagnóstico de autismo permite que toda a sociedade possa se adaptar e não restringir o seu olhar às dificuldades, agindo em comunidade para que possamos ter o prazer e os ganhos de vivermos e conhecermos pessoas que contribuem às nossas construções coletivas, muito além de uma impressão reducionista e “pré-julgadora”.

Esse importante movimento, encabeçado principalmente por pais de crianças com diagnóstico e pelos adultos que buscaram essa identificação, mesmo que tardiamente, tem contribuído para uma sociedade mais tolerante, diversa e rica. E esses ganhos se estendem também para outras diferenças e minorias representativas.

 

*tema da campanha de conscientização sobre o autismo de 2023.

 

Relatoras:

Mariana Facchini Granato
Vice-Presidente do Núcleo de Estudos de Desenvolvimento e Aprendizagem da Sociedade de Pediatria de São Paulo

Larissa Rezende Mauro
Membro do Núcleo de Estudos de Desenvolvimento e Aprendizagem da Sociedade de Pediatria de São Paulo