“Notícias estão para a mente assim como o açúcar está para o corpo”*

“Notícias estão para a mente assim como o açúcar está para o corpo”*

Açúcar de menos no organismo causa hipoglicemia, em excesso causa diabetes. As duas situações não são boas e podem ter consequências graves. A frase que intitula este artigo sugere, por analogia, os mesmos riscos para o indivíduo, quanto às notícias que recebe constantemente.

Estamos acostumados a ouvir a palavra placebo, que sugere o efeito positivo de uma substância inerte, quando ingerida, sob a sugestão de que é um remédio eficaz para curar determinada enfermidade. Não é tão conhecida a expressão nocebo, que tem a mesma aplicação, somente com sinal trocado, ou seja, quando o indivíduo, ao tomar uma determinada substância inerte, sob a sugestão de que pode causar determinado sintoma, acaba sentindo, em realidade, o sintoma referido.

As notícias, neste mundo globalizado e conectado, hoje, podem funcionar como verdadeiros nocebos. As mídias sociais, a imprensa, alimentam-se de boas notícias, mas também de más notícias. As más, infelizmente, chamam mais a atenção e vendem mais. Notícias boas podem passar despercebidas ou sequer são veiculadas. Com isso, pode-se criar uma “atmosfera catastrófica”, de descrédito no ser humano, na sua capacidade de fazer o bem, de cinismo quanto a civilização humana. Quanto mais ouvimos notícias dessa espécie, mais cultivamos um senso de pessimismo quanto a humanidade e seu destino. Nós alimentamos o “lobo mau” que há dentro de nós e deixamos morrendo de fome o “lobo bom”, que também nos habita. Os dois estão em conflito permanente dentro de nós, porém a chance da vitória do “lobo mau” é muito maior. Em outras palavras: “a língua fala daquilo que o coração está cheio”.

O mundo atual valoriza uma palavrinha mágica: detox.  Ela anuncia uma série de tratamentos, estratégias, artifícios, que visam desintoxicar o organismo de substâncias que atrapalham a sua saúde, comprometem o melhor rendimento, encurtam seu tempo de vida, atrapalham o desfrute da vida com prazer, roubam-lhe a beleza e o vigor. Em verdade, as terapêuticas de detox visam curar o que criamos de ruim para nós mesmos, porque nos alimentamos de maneira inadequada, porque não mantemos uma atividade física regular, porque trabalhamos em jornadas de trabalho exageradas, porque não fazemos “paradas” para descanso: acabamos tendo que correr atrás do prejuízo!

A palavra dieta vem da palavra grega daitá, que significa “modo de viver”. O que se espera de um detox é corrigir o que um modo de vida inadequado ocasionou.

Estamos sendo “intoxicados” por más notícias, por notícias falsas, por mensagens destrutivas geradoras de uma cultura de morte. Nossas crianças estão imersas nesse mundo assustador, vivendo amedrontadas, querendo fugir dessa existência sem sentido, inseguras. É claro que no mundo real existem roubos, sequestros relâmpagos, estupros, assaltos a banco, assassinatos fúteis, brigas de trânsito, racismo, bullying, fome, corrupção, desemprego, epidemias. Tudo isso é real, porém as perguntas que devemos fazer são: o mundo, hoje, está melhor ou pior do que há gerações atrás? Não há bondade no ser humano? Ele é naturalmente ruim, apenas coberto como uma capa de civilidade aparente? Essa discussão há muito preocupou filósofos, como Hobbes e Rousseau, separando-os em ringues opostos de ideias, sendo tema, também, de querelas teológicas e religiosas.  

Precisamos “desintoxicar” o mundo das nossas casas e, em especial, das influências que nossas crianças recebem, para permitir que floresça nelas a esperança de um mundo melhor.

Receita de pediatra:

– Diminua o tempo de exposição de seu filho aos canais de televisão e ao uso do celular, computador e tablet;

– Filtre os conteúdos dos canais de YouTube que seu filho assiste;

– Comente com seu filho sobre acontecimentos bons que ocorreram no seu dia de trabalho;

– Leve seus filhos para passear e desfrutar a natureza;

– Estimule seus filhos a fazerem trabalhos manuais;

– Desenvolva, em família, a participação em atividades solidárias;

– Leia para eles histórias infantis;

– Compre livros para leitura;

– Estimule-os a cultivarem as amizades;

– Desenvolva a ideia de que todos merecem uma segunda chance;

– Ensine-os a olhar positivamente para o copo quase cheio com água – ainda cabe mais outro tanto de água.

Por mais cansativo que tenha sido seu dia, tire um momento só para você e seu filho: é muito importante saber que se é amado.

*Rolf Dobelli, citado em Humanidade. BREGMAN, Rutger. Humanidade: uma história otimista do homem, São Paulo: Ed. Planeta (Crítica), 2021, 464 p.

 

Relator:
Fernando MF Oliveira
Coordenador do Blog Pediatra Orienta da SPSP

 Foto: @user850788 / br.freepik.com