Nutrição parenteral no domicílio realizada por familiares cuidadores: é possível?

Nutrição parenteral no domicílio realizada por familiares cuidadores: é possível?

SPSP – Sociedade de Pediatria de São Paulo
Texto divulgado em 26/09/2019

 

Maria Carolina Witkowskia,*

aDoutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.

*Autora correspondente. E-mail: [email protected] (M.C. Witkowski).

RESUMO

Estudo buscou apresentar a experiência de capacitação de familiares cuidadores para o uso de nutrição parenteral no domicílio em crianças e adolescentes participantes de um programa multiprofissional de reabilitação intestinal de um hospital universitário. O projeto concluiu ser viável tal procedimento no sistema público de saúde no Brasil.

O processo da desospitalização de crianças e adolescentes com nutrição parenteral (NP) pode ser viável, seguro e efetivo por meio da capacitação quanto aos cuidados com NP domiciliar dirigido aos familiares cuidadores desses pacientes.

Essa foi a conclusão dos pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, que buscaram avaliar a experiência de capacitação de familiares de crianças e adolescentes para os cuidados com a NP domiciliar de pacientes participantes do Programa de Reabilitação Intestinal de Crianças e Adolescentes de um hospital público universitário no Sul do Brasil, entre julho de 2014 e janeiro de 2017. O estudo publicado na Revista Paulista de Pediatria — “Capacitação dos familiares de crianças e adolescentes para os cuidados com nutrição parenteral domiciliar” — avaliou 27 familiares cuidadores de 17 pacientes em uso de NP e teve como critérios de inclusão familiares de crianças com idade entre 30 dias e 17 anos e previsão de uso de NP≥8 semanas e familiares que demonstrassem motivação para os cuidados da criança. A capacitação contemplou: lavagem e higienização das mãos; manuseio da bomba de infusão; cuidados com cateter venoso central (CVC) e com solução de NP. Os desfechos avaliados foram: taxa de infecção de corrente sanguínea relacionada ao CVC, saída acidental do CVC, término da infusão da NP com atraso ou adiantamento maior que 60 minutos em relação ao previsto, obstrução mecânica, sangramento do sítio de inserção do CVC e óbito.

A falência intestinal é uma condição de má absorção grave com demanda de nutrição artificial por via parenteral,1 e a primeira opção de tratamento para os pacientes que necessitam de NP por tempo prolongado é a NP domiciliar.2

A capacitação dos familiares de crianças durante um período de pelo menos duas a três semanas antes da alta hospitalar mostrou bons resultados nos países da Europa,3-5 e também proporcionou melhor transição dos cuidados hospitalares para os domiciliares.6 Em nosso estudo, os familiares das crianças e dos adolescentes com NP domiciliar realizaram a capacitação por período de pelo menos duas semanas de duração e receberam as bolsas para a infusão de NP prontas para o uso no paciente, não sendo necessário nenhum preparo ou administração de outras soluções na bolsa antes da infusão.

Os pesquisadores apontam duas limitações do estudo: a falta de avaliação da qualidade de vida como indicador de bem-estar dos pacientes e familiares e o número de participantes. No entanto, este estudo apresentou, pela primeira vez no Brasil, a formalização da capacitação dos familiares cuidadores e sua participação ativa nos cuidados da NP no domicílio, e fornece subsídios para o desenvolvimento de uma linha de cuidados da NP no domicílio no país em pacientes usuários do sistema público de saúde. Há necessidade de mudanças, visto que a legislação atual vigente indica que essa prática é de responsabilidade exclusiva do enfermeiro.7 Nesse sentido, os resultados da realização da NP no domicílio sem ocorrência de eventos adversos graves, com participação ativa das famílias capacitadas pelos enfermeiros e com a supervisão deles, demonstraram que o processo da desospitalização de crianças e adolescentes com NP pode ser viável, seguro e efetivo.

REFERÊNCIAS

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