“A infância é um chão sobre o qual caminharemos o resto de nossos dias”
Lya Luft
28 de maio é o Dia Internacional do Brincar. Quando falamos sobre o desenvolvimento saudável das crianças, uma palavra se impõe com força e leveza ao mesmo tempo: brincar. Mais do que um passatempo, o brincar é linguagem, é afeto, é descoberta. Ele está presente desde os primeiros dias de vida – no sorriso que provoca o balbucio do bebê, na exploração das mãos, no esconder e aparecer do rosto etc. Cresce com a criança, transforma-se com ela e a acompanha até a vida adulta, ainda que em novas formas e “roupagens”.
Do ponto de vista da psicologia do desenvolvimento, nomes como Jean Piaget, Lev Vygotsky e Donald Winnicott ajudaram a consolidar a ideia de que o brincar não é apenas reflexo do desenvolvimento, mas também um motor fundamental para que ele aconteça. Piaget via no jogo simbólico uma forma de construção do pensamento. Vygotsky destacava a importância do faz-de-conta como espaço de criação de sentido e mediação cultural. Já Winnicott nos presenteou com a noção de “espaço potencial”, um território de transição entre o mundo interno e o mundo real, acessado justamente por meio do brincar.
Do olhar da educação, o brincar é campo de aprendizagem rica e espontânea. Crianças aprendem regras, limites, cooperação, criatividade e resiliência ao brincar – aspectos que nenhuma tela é capaz de transmitir com a mesma intensidade. Quando uma criança constrói com blocos, negocia papéis em uma brincadeira de faz-de-conta ou se equilibra em um tronco no parque, ela está desafiando a si mesma, desenvolvendo habilidades cognitivas, sociais e motoras. Aprendendo a viver em sociedade.
Num mundo cada vez mais digital, é urgente lembrar que brincar é também um antídoto. O excesso de telas tem se mostrado nocivo ao desenvolvimento infantil, afetando sono, atenção, linguagem e saúde emocional. Ao incentivar o brincar livre – dentro e fora de casa, com adultos ou com outras crianças – estamos não apenas resgatando a infância, mas oferecendo uma poderosa alternativa para reduzir o tempo de exposição às telas.
É papel de todos nós – pais, pediatras, educadores e profissionais da saúde – proteger esse tempo sagrado do brincar. Isso não exige brinquedos caros nem espaços sofisticados. Brincar pode ser inventar uma história com panos e almofadas, pular corda, criar uma cabana com cadeiras e lençóis ou simplesmente correr descalço no quintal. Mais do que o objeto, é o vínculo, o tempo disponível e o ambiente seguro que fazem do brincar uma experiência transformadora.
O brincar não se esgota na infância. Ele reaparece nas brincadeiras entre adolescentes, nos jogos de tabuleiro em família, no teatro, na música, nas expressões lúdicas da vida adulta. Manter viva essa dimensão do brincar é preservar o que há de mais humano em nós: a capacidade de criar, imaginar e se relacionar de forma genuína.
Em tempos de pressa, agendas cheias e estímulos digitais por todos os lados, brincar é também um ato de resistência, de permitir-se estar presente, de olhar nos olhos, de rir junto, de aprender com o outro.
E para a criança, isso não é um luxo. É uma necessidade.
Relator:
Fernando Lamano Ferreira
Presidente do Núcleo de Estudos de Saúde Mental da Sociedade de Pediatria de São Paulo