Introdução
O Dia Nacional da Imunização é celebrado em 9 de junho, tendo por objetivo conscientizar a população sobre a importância da vacinação para a prevenção de doenças e a proteção da saúde individual e coletiva. A queda nas taxas de coberturas vacinais (CV) na infância traz enormes preocupações para todos os países, com risco de retorno de doenças já controladas e eliminadas, como o sarampo, a difteria e até a poliomielite.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que dados oficiais apontaram que 23 milhões de crianças não receberam as vacinas básicas por meio dos serviços de vacinação de rotina em 2020, representando 3,7 milhões a mais do que em 2019-20. Outro aspecto a ser considerado é a heterogeneidade das CV nos mais de 5.500 municípios do Brasil. Bolsões de baixas coberturas não favorecem o controle das doenças. A homogeneidade de coberturas para os anos de 2015 a 2018 foi baixa em todo o período, com tendência decrescente para cada vacina. Somam-se a esses fatores os desafios de uma vacinação oportuna, ou seja, que as vacinas sejam aplicadas nas idades preconizadas sem atrasos e sem interrupções do esquema vacinal.1
Possíveis causas para a queda das coberturas vacinais
A redução nas taxas de vacinação tem sido atribuída a diversos fatores, que em um país continental como o Brasil deve ser compreendida em suas diferentes regiões e particularidades; entretanto, destacam-se como as principais razões: perda de percepção de risco para doenças que já não fazem mais parte de nossa rotina, desabastecimento frequente de algumas vacinas, horários de funcionamento dos postos de saúde que não atendem mais às necessidades de famílias que trabalham, a própria complexidade do calendário vacinal, com grande número de visitas necessárias para seu adequado cumprimento, entre outros. Além do surgimento de grupos antivacinas, que disseminam notícias falsas sobre a segurança e a efetividade dos imunizantes.2
Principais causas das baixas coberturas vacinais no Brasil:
- Crenças em práticas alternativas de saúde e em falsas contraindicações.
- Controle eficiente das doenças imunopreveníveis, que promove uma falsa sensação de segurança e desestimula a procura pela vacinação.
- Medo dos eventos adversos.
- Oportunidades perdidas de vacinação.
- Problemas relacionados ao abastecimento de algumas vacinas.
- Percepção equivocada de parte da população de que as doenças desapareceram.
- Desconhecimento sobre quais vacinas fazem parte do calendário de vacinação.
- Receio de que o número elevado de vacinas “sobrecarregue” o sistema imunológico.
- Falta de tempo dos pais para levar as crianças aos postos de vacinação.
- Notícias disseminadas pelas redes sociais e outros meios de comunicação capazes de promover a perda da credibilidade nas vacinas e mesmo notícias falsas sobre vacinação (fake news).
Coberturas vacinais na pandemia da Covid-19
As taxas de CV, que já vinham em queda, tiveram forte impacto negativo com a pandemia da Covid-19. As atenções e a sobrecarga do sistema de saúde voltadas à pandemia, e também o receio da população em frequentar serviços de vacinação, foram determinantes para que a procura pela vacinação fosse deixada em segundo plano.3 A análise dos dados evidenciou, em 2020, um decréscimo nos índices de CV para todas as vacinas do calendário infantil na vigência da pandemia, comparado ao ano imediatamente anterior, embora as CV para a vacina pentavalente tenham sido incrementadas em função do desabastecimento da vacina no ano anterior.
As coberturas vacinais (CV) no Brasil para as vacinas do calendário da criança vêm se elevando nos últimos anos, com recuperação para quase todas elas. Em nosso país, o Programa Nacional de Imunizações (PNI), em seus quase 50 anos de existência, tornou-se modelo, com constantes incorporações de novas vacinas, grande capilaridade, dinamismo, gratuidade e grande credibilidade e confiança conquistadas desde sua criação.4,5
O PNI foi criado em 1973, abrindo uma nova etapa na história das políticas de Saúde Pública no campo da prevenção, ano em que foi declarada a erradicação da varíola nas Américas, por ocasião da 22ª Reunião do Conselho Diretor da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS).7
O envolvimento das três esferas da gestão, no planejamento, capacitação, infraestrutura e logística foi capaz de permitir que na linha de frente do Sistema Único de Saúde (SUS) chegassem vacinas de qualidade, o que gerou credibilidade por parte população.4,5
O PNI, com suas mais de 38 mil salas de vacinas, distribuídas por todo o país, foi responsável pela erradicação da varíola, contribuiu para a eliminação da poliomielite, a interrupção da transmissão do sarampo e da rubéola, a eliminação do tétano materno-neonatal, a redução da incidência de difteria, coqueluche, meningite causada por H. influenzae tipo b, tétano, tuberculose em menores de 15 anos de idade, além da redução significativa nas taxas de mortalidade infantil no Brasil.8
O esquema vacinal da criança inclui hoje, no PNI, 13 vacinas contra 19 diferentes doenças, segundo o calendário proposto pelo Ministério da Saúde (Tabela 1).7
Tabela 1. Vacinas disponibilizadas pelo PNI para crianças nos dois primeiros anos de vida, Brasil 2022
Hesitação vacinal
A hesitação vacinal refere-se à demora em aceitar ou à recusa das vacinas, apesar da disponibilidade nos serviços de vacinação. É um fenômeno complexo e específico em seu contexto, variando ao longo do tempo, lugar e vacinas. Com a pandemia da Covid-19, veio a infodemia, definida como uma epidemia de informações precisas ou imprecisas, que se disseminam de forma rápida e abrangente, como uma doença digitalmente transmissível. À medida que fatos, rumores e medos se misturam e se dispersam, torna-se difícil para as pessoas encontrarem fontes e orientações confiáveis quando precisam.
Os riscos da desinformação para os programas de vacinação nunca foram tão elevados, assim como o risco de reemergência de doenças imunopreveníveis. A atitude dos médicos e de outros profissionais de saúde em relação à vacinação influencia seus pacientes e afeta a decisão da população em se vacinar. A recomendação médica foi e continua sendo importante fator de adesão da população à vacinação.
Conclusões
A recuperação de elevadas e homogêneas CV é crucial para a manutenção do controle e eliminação de diversas doenças imunopreveníveis. As conquistas obtidas pelos extensos programas de vacinação são marcos fundamentais da saúde pública. A pandemia da Covid-19 agravou a situação da queda nas taxas de vacinação e todos os esforços para a sua recuperação devem ser realizados.
São urgentes no país as ações para aumentar a imunização infantil e sustentá-la em um patamar elevado, sendo fundamental a participação de todos os profissionais da saúde em avaliar, na sua prática diária, a situação vacinal de todo indivíduo, estimulando e fomentando o conhecimento sobre vacinas, aumentando a adesão de todos aos programas de vacinação. O combate à desinformação é ferramenta crucial na recuperação da confiança da população nas vacinas.
Saiba mais:
- Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Pandemia de covid-19 leva a grande retrocesso na vacinação infantil, mostram novos dados da OMS e UNICEF. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/pandemia-de-covid-19-alimenta-o-maior-retrocesso-continuo-nas-vacinacoes-em-tres-decadas. Acesso em setembro 2022.
- Domingues CMAS, Maranhão AGK, Teixeira AM, Fantinato FFS, Domingues RAS. 46º ano do Programa Nacional de Imunizações: uma história repleta de conquistas e desafios a serem superados. Cad Saúde Pública. 2020;36(2):e00222919.
- Teixeira AMS et al. Desafios das coberturas vacinais de rotina em tempos de pandemia: como enfrentar? In: Kfouri RA, Guido L. Controvérsias em Imunizações, 2021.
- Conselho Nacional de Secretária de Saúde. A queda na Imunização no Brasil. Rev Consensus/Saúde em Foco. 2017;25. Disponível em: https//conass.org.br. Acesso em: setembro 2022.
- Ministério da Saúde. Programa Nacional de Imunizações. 2003. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/ bvs/publicacoes/programa_nacional_imunizacoes. Acesso em: setembro 2022.
- Sato APS. Pandemia e coberturas vacinais: desafios para o retorno às escolas. Rev Saúde Pública. 2020;54:115.
- Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Programa Nacional de Imunizações (PNI): 40 anos. 2013. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/ bvs/publicacoes/programa_nacional_imunizacoes_pni40.pdf.
- Braz RM, Teixeira AMS, Domingues CMAS. O Programa Nacional de Imunizações e a cobertura vacinal: histórico e desafios atuais. In: Barbieri CLA, Martins LC, Pamplona YAP. Imunização e cobertura vacinal: passado, presente e futuro. Santos, Editora Universitária Leopoldianum, 2021.
- Ministério da Saúde. Calendário Nacional de Vacinação. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/c/calendario-de-vacinacao. Acesso em setembro 2022.
Relator:
Renato de Ávila Kfouri
Pediatra Infectologista
Presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Vice-Presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade de Pediatria de São Paulo