Obesidade infantil: considerações sobre a POF 2008-2009

Relatores:
Raphael Del Roio Liberatore Jr.
Presidente do Departamento de Endocrinologia da SPSP – gestão 2010-2013; Responsável pelo Serviço de Endocrinologia Pediátrica do Departamento de Pediatria e Cirurgia Pediátrica da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP.

Cristiane Kochi
Vice-Presidente do Departamento de Endocrinologia da SPSP – gestão 2010-2013; Aperfeicoada em Endocrinologia Pediátrica pela Faculdade de Ciências Médicas da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, SP.
Sociedade de Pediatria de São Paulo – 8/10/2010

No dia 27 de agosto de 2010, o IBGE publicou os resultados da última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) realizada nos anos de 2008 e 2009. Esta publicação amplamente divulgada pela imprensa mostrou de forma científica aquilo que já se observava no dia-a-dia das ruas: o importante aumento do número de pessoas com sobrepeso e obesidade entre nós.

Segundo estes dados estatísticos, mais da metade dos adultos se encontram hoje acima do peso.
Preocupou-nos muito os dados que envolvem as crianças e adolescentes.

A amostra envolveu meninos e meninas entre 1 e 20 anos de idade e em cada faixa anual, cerca de 2500 pessoas foram incluídas na pesquisa. Desta forma, entre 1 ano e 20 anos de idade, cerca de 60.000 pessoas foram avaliadas.

Os dados obtidos foram assustadores. Entre os 5 e os 9 anos de idade, 32% dos meninos e 34,8% das meninas apresentaram sobrepeso e respectivamente 16,6 e 11,8%, apresentaram obesidade. Entre os 10 e os 19 anos de idade, a prevalência encontrada foi menor, 21,7% e 19,4% de sobrepeso e 5,9 e 4% de obesidade.

Como se não bastassem apenas os dados atuais, comparados aos dados obtidos com metodologia semelhantes em 1974-75 e 1989, notou-se um aumento de 3 vezes no sexo masculino e de 8 vezes no sexo feminino, somente na prevalência de sobrepeso entre as crianças de 5 e 9 anos de idade.

Em 35 anos, o país mudou e os dados antropométricos de hoje mostram a distribuição da equidade social do Brasil. Na região Norte, ainda existem desnutridos com grande déficit de estatura. Na região Nordeste, se observou a maior redução no déficit de estatura. Na região Centro-Oeste, ainda existe deficiência de peso. Nas regiões Sudeste e Sul é que se encontram as maiores prevalências de excesso de peso, sendo que na região Sul este excesso é maior entre os 10 e 19 anos e na região Sudeste, entre os 5 e os 9 anos de idade.
Quanto melhor é a renda, mais gordas são as nossas crianças e mais precocemente elas engordam.
Citamos estes dados todos para ambientar o leitor com o tamanho do problema e principalmente sua trágica evolução.

Tratar pessoas obesas é difícil e com baixíssima chance de sucesso, tanto imediato, quanto após 5 anos de tratamento. Mesmo entre os que emagrecem, a maioria volta a ganhar peso. Em crianças, não está autorizado o tratamento medicamentoso e nem cirúrgico. O tratamento envolve mudança de hábitos de vida, alimentação e atividade física em todos os membros da família.

Todos nós sabemos como é difícil mudar o jeito de viver de uma pessoa, que dirá de uma família inteira?
Desta forma, a principal atividade no sentido de evitar este aumento das prevalências de sobrepeso e obesidade são as atitudes preventivas. Passaremos a enumerar as principais atitudes preventivas cientificamente comprovadas.

Aleitamento exclusivo. Diversos estudos têm mostrado que quanto maior é o período de aleitamento exclusivo menor é o risco de desenvolvimento de obesidade no futuro. O leite materno é o melhor alimento até os 6 meses de idade, idade até a qual sequer água é necessário oferecer às crianças. A quantidade do leite é controlado pelo binômio mãe-criança e desta forma não existe risco de super-alimentação. Recentemente foi comprovado que o leite materno tem leptina, hormônio importante para o controle da saciedade. Além disso, estudos mostram que quanto maior o tempo de aleitamento materno, menor o risco de alterações do colesterol. O leite materno apresenta também a melhor distribuição de nutrientes para aquela criança. A mãe produz o leite específico para as necessidades do seu filho, sem excessos. A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda manter o aleitamento materno até os dois anos de idade.

O início da alimentação sólida é igualmente importante. Nesta fase é que se deve criar o hábito de ingerir legumes, verduras, frutas, fontes fundamentais de fibras, vitaminas e oligoelementos. Nesta fase também a ingestão menor de sal e gordura deve ser implementada. Durante os 2 primeiros anos de vida é que uma criança aprende a comer, provando e se acostumando com os diferentes paladares, texturas, cores. Nesta fase, é a paciência e a insistência que vão criar os gostos, os hábitos corretos.

Quanto maior for o tempo de aleitamento, mesmo depois de iniciada a alimentação sólida e quanto mais correto for o início da alimentação sólida, menor será o risco da criança desenvolver hábitos alimentares associados à obesidade. Quantas crianças “mamando” refrigerantes e comendo produtos industrializados precocemente nós já não vimos ?

Atividade física. Quanto maior for o gasto energético diário, menor é o risco de desenvolver obesidade. Brincar longe de monitores de televisão, computadores, jogos eletrônicos. Quanto maior é o tempo diário na frente do monitor, maior é o risco de ganhar peso. É importante limitar o tempo nessas atividades sedentárias em até 2 horas por dia. Se nas cidades grandes não é mais possível brincar nas ruas, devemos criar o hábito de caminhar desde pequenos. Subir escadas, participar das atividades domésticas, fazer a criança se movimentar ativamente mesmo que mal consigam se manter em pé. Vamos passear nos shopping centers das grandes cidades evitando de levar as crianças nos carrinhos para comer alimentos de grande concentração calórica. Não podemos mais lamentar a época em que éramos crianças e que brincávamos nas ruas da Vila Mariana, a apenas 2 quarteirões da estação do metrô. Esta realidade não existe mais.

Partindo do pressuposto de que nenhuma criança vá dormir magra aos 4 anos e acorde obesa aos 5 anos de idade, é desde muito cedo que devemos implementar estas comprovadas estratégias de prevenção de obesidade.

Neste sentido que o profissional treinado para cuidar das crianças e adolescentes deve assumir seu importante papel. O pediatra deve pacientemente insistir para que o aleitamento exclusivo vá até o sexto mês de vida. Deve orientar a correta introdução dos alimentos sólidos. Deve insistir na implementação da atividade física diária e rotineira na vida da criança.

Deve corrigir a postura da família quando observa o desenvolvimento do sobrepeso e insistir teimosamente contra a instalação da obesidade.

Vale aqui também o jargão crianças de hoje adultos de amanhã.

Texto recebido em 30/09/2010 e divulgado no portal da SPSP em 8/10/2010.