A enteropatia sensível ao glúten é um distúrbio no qual a lesão da mucosa do intestino delgado (ID) resulta de uma sensibilidade permanente ao glúten alimentar e pode ser caracterizada como um estado de resposta imunológica tanto celular como humoral ao glúten do trigo, centeio cevada e possivelmente aveia. Seu espectro de ação compreende a doença celíaca (DC), a dermatite herpertiforme, aftas recorrentes, artropatias e nefropatias. A DC é um enteropatia sensível ao glúten imuno-mediada causada por intolerância permanente ao glúten em indivíduos geneticamente susceptíveis. A DC apresenta-se somente após a introdução de produtos contendo glúten na dieta.
A DC é classicamente descrita em indivíduos de raça branca, ocorrendo com maior freqüência nos países nórdicos e anglo-saxônicos, entretanto pode ser considerada de distribuição mundial devido à alta miscigenação racial, já foi descrito em negros. Ela acomete indivíduos de todas as idades e de ambos os sexos.
A DC é caracterizada clínica e histologicamente por sinais e sintomas de má-absorção. Segundo Marsh (1992) a mucosa duodenal pode ser normal ou variar desde leve até graves alterações na arquitetura da mucosa. O tratamento com dieta isenta de glúten resulta numa completa recuperação clínica e histológica. A DC ocorre em crianças e adolescentes sintomáticos, com ou sem sintomas gastrointestinais. Também ocorre em indivíduos assintomáticos que têm doenças associadas como diabetes tipo I, tireoidites, síndrome de Down, síndrome de Turner, síndrome de Williams, deficiência seletiva de IgA, parentes em 1º grau.
Baseado em numerosos estudos realizados na Europa e USA, a prevalência da doença celíaca em crianças entre 2,5 e 15 anos de idade na população geral é 3 a 13 por 1000 crianças ou aproximadamente 1:300 para 1:800 crianças.
Numerosos estudos demonstram que a DC freqüentemente apresenta-se com sintomas gastrointestinais (GI) tais como diarréia, “failure to trive” (FTT), dor abdominal, vômitos, constipação e distensão abdominal. Entretanto, existem poucas informações sobre a real prevalência das crianças com DC com este tipo de sintomatologia. Existem fortes evidências que há um aumento na ocorrência da DC em pacientes com dermatite herpertiforme, falha no esmalte dentário, diabetes tipo I, síndrome de Down, síndrome de Turner, síndrome de Williams, deficiência seletiva de IgA, parentes em 1º grau. Há moderada evidência para o aumento da prevalência de DC em crianças com baixa estatura e alguma evidência para o aumento da prevalência da DC nas crianças com tireoidite autoimune. A anemia é comum em crianças com DC e há um aumento da prevalência em adultos com DC de anemia de causa desconhecida.
A síndrome de Down (SD) é uma das mais freqüentes aneuploidia cromossômica observada na população geral, afetando 1:650 nascidos vivos no mundo e é o principal fator genético para o retardo mental moderado, tendo sido caracterizada por John Langdon Down em 1866, que definiu seus sinais e sintomas clínicos. É uma anomalia cromossômica, comumente manifestada, como trissomia do 21. A trissomia do 21, ou seja, a presença de um cromossomo extra no homem causa inúmeras anormalidades maiores e menores que, em conjunto, estabelecem o fenótipo da SD. As características deste fenótipo podem ser divididas em 3 categorias: anormalidades físicas, funcionais e alterações celulares.
Ambas as doenças levam a alterações do sistema imunológico com manifestações de auto-imunidade sistêmica e local. Na DC há uma estimulação dos linfócitos T e na SD há diminuição das funções imunes humoral e celular.
Em 1975, Bentley observou pela primeira vez à associação de DC e SD. A literatura mostra maior prevalência da doença celíaca (DC) em pacientes com síndrome de Down (SD) nas diferentes populações, variando de 3,2% a 10,3%. Segundo a NASPGHAN a prevalência da DC em indivíduos com SD está entre 5-12%. Pacientes com SD e DC sintomática comumente tem manifestações GI tais como flatulência, diarréia intermitente, anorexia e FTT. Entretanto, 1/3 dos pacientes com SD e DC não apresentam sintomas GI. Comparando as crianças com SD sem DC e com DC estas apresentam com maior freqüência anemia, ferro sérico e cálcio baixo, e percentil baixo para idade e altura. Na literatura a criança mais nova diagnosticada com SD e DC através de screening foi de 3,2 anos.
Associação de doenças auto-imunes existe em ambas as doenças (DC e SD), sendo as mais representantes a tireoidite, o diabete melito tipo I e alterações dermatológicas. Os fatores que poderiam explicar a maior prevalência da DC nos portadores da SD seriam que ambas compartilhariam moléculas do sistema imune HLA similares. A incidência da DC é de 1:300 em alguns países e da SD é de 1:650 tendo como fator preocupante o fato de que em ambas a prevalência de enfermidades malignas é muito maior do que na população geral.
Os dados acima mencionados apontam para a necessidade de rotineiramente solicitar a triagem sorológica para DC em pacientes com Síndrome de Down, mesmo naqueles com histórico negativo para má absorção.
Relatores:
Clarice Blaj Neufeld
Professora Assistente da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP.
Mauro Toporovski
Presidente do Departamento Científico de Gastroenterologia da SPSP (gestão 2007-2009); Professor Assistente e responsável pela Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Texto divulgado em 31/08/2009.