Púrpura de Henoch-Schönlein

Relatoras:
Dra. Lúcia Maria de Arruda Campos
Médica Assistente da Unidade de Reumatologia Pediátrica do Instituto da Criança – HC – FMUSP. Doutorado em Reumatologia Pediátrica pela FMUSP e Vice-Presidente do Depto. Científico de Reumatologia da SPSP.

Dra. Eunice Mitiko Okuda
Doutora em Pediatria pela FCM Santa Casa de São Paulo. Assistente do Serviço de Reumatologia Pediátrica do Depto de Pediatria da Irmandade da Santa Casa de São Paulo e Secretária do Depto. Científico de Reumatologia da SPSP.

Dra. Maria Teresa R. A. Terreri
Professora Adjunta do Setor de Reumatologia Pediátrica do Departamento de Pediatria da EPM/Unifesp e Presidente do Depto. Científico de Reumatologia a SPSP.

A PHS é a vasculite mais frequente na faixa pediátrica, caracterizada pelo comprometimento de vasos de pequeno calibre.            Acomete principalmente crianças pré-escolares e escolares, com pico de incidência aos 6 anos de vida. Embora a etiologia permaneça desconhecida, há antecedente de infecções de vias aéreas superiores em 40 a 50% dos casos, destacando-se o estreptococo beta hemolítico. Vacinas, drogas (cefalosporinas, penicilinas, eritromicina e aspirina), alimentos (leite, ovos, chocolate, conservantes), picada de insetos e exposição ao frio são também citados como possíveis fatores desencadeadores da doença.

O início é geralmente agudo, com aparecimento de púrpura, habitualmente palpável, com distribuição preferencialmente em membros inferiores e nádegas, mas outras áreas podem ser acometidas como braços, face e tronco. No início, as lesões são máculo-papulares, urticariformes e petequiais, evoluindo para púrpuras maiores, que não desaparecem à digito-pressão. Podem confluir, formando grandes equimoses, e evoluir com vesículas, bolhas hemorrágicas e ulcerações. Ao regredir, a púrpura fica acastanhada e vai esmaecendo progressivamente, não deixando cicatriz. As lesões aparecem em surtos, com duração de 3 a 10 dias, e a duração total do quadro ativo é de 1 a 2 meses. Edema subcutâneo é comum em crianças menores e localiza-se, preferencialmente, em mãos e pés.

Artrites ou artralgias transitórias estão presentes em cerca de 60% dos casos afetando geralmente joelhos ou tornozelos, desaparecendo em poucos dias, sem deixar seqüelas.

O comprometimento gastrointestinal caracteriza-se por dor abdominal em cólica, presente em até 80% dos pacientes na fase aguda, decorrente do acometimento inflamatório dos vasos abdominais, com hematêmese, melena ou enterorragia. Manifestações mais graves, como invaginação, perfuração ou hemorragias maciças ocorrem em menos de 5% dos casos.

O envolvimento renal é comum, presente em até 50% dos pacientes, sendo o principal determinante do prognóstico a longo prazo. Manifesta-se em mais de 90% dos casos nos primeiros 3 meses da doença. Seu espectro é bastante amplo, variando desde hematúria microscópica e proteinúria transitória, na maioria dos casos, até síndromes nefríticas, nefróticas, hipertensão arterial e insuficiência renal, associadas ao pior prognóstico.

Outras manifestações incluem: orquiepididimite (10% dos meninos), sendo a torção testicular o principal diagnóstico diferencial, e mais raramente envolvimento do sistema nervoso central (cefaléia, alterações comportamentais, convulsões, entre outros) e pulmonar (tosse, hemoptise, insuficiência respiratória progressiva, infiltrados bilaterais à radiografia).

O diagnóstico é essencialmente clínico, sem alterações laboratoriais específicas da doença (Tabela 1). A contagem de plaquetas é normal ou elevada, diferenciando esta púrpura daquela causada por plaquetopenia, podendo ainda ser observado aumento moderado dos leucócitos, com predomínio de neutrófilos e anemia normocítica (relacionada ao sangramento intestinal). O coagulograma é normal. A imunoglobulina A (IgA) sérica costuma estar elevada em metade dos pacientes na fase aguda da doença.

A urina tipo I pode evidenciar presença de hematúria, com dismorfismo eritrocitário, proteinúria e cilindrúria. As provas de função renal podem estar alteradas e devem ser acompanhadas evolutivamente.

A biópsia de pele somente é indicada em casos atípicos e revela vasculite leucocitoclástica, com depósitos de IgA e C3 na imunofluorescência.

Tabela 1: Critérios de classificação da Púrpura de Henoch-Schönlein:
Púrpura (habitualmente palpável) ou petéquias, com predomínio de membros inferiores, e presença de pelo menos um dos seguintes itens:
Dor abdominal difusa em cólica, intussuscepção ou sangramento
Biópsia com vasculite leucocitoclástica com depósito de IgA
Artrite aguda ou artralgia
Envolvimento renal (hematúria e/ou proteinúria)

O diagnóstico diferencial inclui outras vasculites, como lúpus eritematoso sistêmico, meningococcemia, coagulação intravascular disseminada, síndrome hemolítica urêmica e púrpura trombocitopênica idiopática.

O quadro purpúrico em geral regride espontaneamente e não necessita de tratamento específico. Para o quadro articular podem ser utilizados analgésicos comuns ou antiinflamatórios não-hormonais. O uso da ranitidina (5 mg/kg/dia) pode reduzir a dor e o sangramento do trato digestivo, sendo que nas formas mais graves, o uso de corticosteróides  está formalmente indicado.

O comprometimento renal é leve na maioria dos casos, sem necessidade de medicação. Os casos persistentes ou mais graves (hematúria macroscópica persistente, proteinúria e/ou comprometimento da função renal) têm indicação de biópsia e imunossupressão, com uso de CE e outros imunossupressores, como ciclosporina, ciclofosfamida, azatioprina e micofenolato mofetil. A orquiepididimite, a hemorragia pulmonar e a vasculite de sistema nervoso central também requerem o uso de corticosteróides.

A via de administração do CE varia de acordo com a gravidade do quadro e a dose recomendada é de 1 a 2 mg/kg/dia de prednisona, por até 7 dias, com redução gradual em 15 a 30 dias ou na forma de pulsoterapia com metilprednisolona (30 mg/kg/dia) por 3 dias.

A recorrência do quadro (cerca de 15% dos casos) geralmente ocorre nos dois anos após o primeiro episódio. O prognóstico é excelente na maioria dos pacientes. O acometimento renal é o principal determinante prognóstico a longo prazo e cerca de 1% a 2% dos pacientes desenvolvem algum grau de insuficiência renal crônica. Recomenda-se que estes pacientes sejam acompanhados por um mínimo de 5 anos, mesmo sem alterações renais, enquanto que aqueles que apresentaram alterações renais transitórias ou persistentes devem ser acompanhados pelo resto da vida, pelo risco aumentado de desenvolver insuficiência renal.

Leitura recomendada:

  1. Ozen S, Ruperto N, Dillon MJ, Bagga A, Barron K, Davin JC et al. EULAR/PReS endorsed consensus criteria for the classification of childhood vasculitides. Ann Rheum Dis 2006; 65:936-41.
  2. Shin JI, Park JM, Shin YH, Hwang DH, Kim JH, Lee JS. Predictive factors for nephritis, relapse, and significant proteinuria in childhood Henoch-Schönlein purpura. Scand J Rheumatol 2006;35:56-60.
  3. Alfredo CS, Nunes NA, Len CA, Barbosa CMP, Terreri MT, Hilário MO. Henoch-Schönlein purpura: recurrence and chronicity. J Pediatr 2007; 83:77-80.
  4. Almeida JL, Campos LM, Paim LB, Leone C, Koch VHK, Silva CA. Renal involvement in Henoch-Schönlein purpura: a multivariate analysis of initial prognostic factors. J Pediatr 2007; 83:259-66.

Texto divulgado em 26/04/2011.