Qual o valor da sua vida?

Qual o valor da sua vida?

O dia 10 de setembro foi instituído pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela International Association for Suicide Prevention (IASP) como o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio, mobilizando profissionais de saúde e a sociedade em torno de ações de conscientização, prevenção do suicídio e valorização da vida. A campanha Setembro Amarelo é realizada desde 2015 no Brasil. A cor amarela, inspirada na história de Mike Emme e seu Mustang amarelo, nos EUA, tornou-se símbolo de esperança e acolhimento, representando a luz que atravessa as sombras da depressão e do sofrimento psíquico. Seu objetivo principal é reduzir o estigma, promover a discussão aberta sobre saúde mental e divulgar canais de apoio para pessoas em risco.

No Brasil, observa-se aumento das taxas de suicídio entre adolescentes e jovens, representando a terceira maior causa de morte entre a população masculina na faixa etária de 15 a 29 anos e a oitava maior causa de mortalidade entre a população feminina nessa mesma faixa.

A adolescência é um período de intensas mudanças, marcado por busca de identidade, maior sensibilidade a pressões externas e vulnerabilidade emocional. Assim, a travessia entre a infância e a vida adulta é, ao mesmo tempo, uma aventura e uma tormenta. Durante a adolescência, tudo parece girar depressa demais – o corpo se expande, as emoções se chocam e velhos referenciais desmoronam. É nesse momento que muitos jovens esbarram na pergunta: “para que tudo isso?” Quando a resposta não vem, o vazio existencial se torna terreno fértil para a depressão.

A depressão vai muito além da tristeza. Pode se manifestar como apatia, irritabilidade, alterações de humor, sentimento de desesperança e falta de motivação para o futuro, dificuldade em sentir prazer em atividades do dia a dia.

O adolescente vive um ciclo da falta de sentido, de falta de propósito na vida e de pertencimento e isso pode agravar a depressão. A depressão, por sua vez, obscurece a busca por sentido e o encontro de um propósito. E a ausência de propósito contribui para a solidão e o isolamento.

Hoje a depressão é denominada como transtorno no DSMV, porém é importante dizer que não foi sempre assim. Os sintomas e o tratamento da depressão na Idade Média eram objeto de disputa de padres e médicos, descritos pela Igreja como obra do demônio. Atualmente, vários medicamentos estão disponíveis e, quando bem indicados, melhoram os sintomas que surgem e persistem decorrentes da depressão. Apesar de não termos um exame laboratorial ou de imagem capaz de diagnosticar essa entidade nosológica, o insight psiquiátrico pode salvar uma vida – um indivíduo prestes a saltar de uma ponte, certo de que só assim pode se livrar de seu sofrimento, precisa saber que seu cérebro não está funcionando bem e que há possibilidades diversas de tratamento.

A depressão nunca tem causa única: biologia, ambiente, história pessoal e cultural se entrelaçam. Todavia, existe um elo invisível que frequentemente passa despercebido – a falta de sentido. Sem um “porquê”, cada obstáculo parece insuportável, cada vitória soa vazia. Valores que antes forneciam bússola (família, religião, amizades estáveis) entram em choque. A formação da identidade – inacabada – carece de algo novo para colocar no lugar. Redes sociais amplificam o desconforto: comparações constantes, pressa pelo “sucesso” e relações descartáveis reforçam o sentimento de não pertencimento. Surge o trio clássico da depressão existencial: isolamento, inutilidade e desesperança. O mundo interno perde “o norte”, tornando-se demasiadamente pesado e sem sentido para o adolescente, causando um insustentável sentimento de não pertencimento.

Assim, vêm os questionamentos: Qual seu valor na vida? O que faz a vida valer a pena?

Numa tentativa de suicídio, o desejo não é realmente acabar com a vida, mas com o sofrimento e a angústia na qual está mergulhado. Esse gesto sinaliza que o jovem está enfrentando um sofrimento intenso, com ideias e impulsos de autodestruição que não devem ser minimizados ou rotulados como simples “dramatização”. A sensação de vazio que atravessa essas vivências não só impede a descoberta de novos caminhos como também obstrui a percepção de que a vida pode ter valor e significado. É importante, sempre, se lembrar de transmitir aos jovens o valor de ser e não apenas de ter, especialmente através de exemplos que falam mais que mil palavras.

Descobrir um propósito na vida passa pela redescoberta de si mesmo.

A presença de um sentido pessoal – um propósito – funciona como um mecanismo protetor, que oferece a possibilidade de transformar a dor em uma oportunidade de crescimento.

O apego exerce um papel essencial como fator de proteção. O apego refere-se ao vínculo emocional que o adolescente estabelece com figuras de cuidado, principalmente pais ou responsáveis, e se forma nos primeiros anos de vida, por meio de interações que combinam sensibilidade, disponibilidade e resposta consistente às necessidades básicas e afetivas do jovem. Fortalecer o apego seguro não apenas diminui o risco de suicídio, mas também potencializa o desenvolvimento emocional saudável. O suporte social – compreendendo qualidade de amizades, envolvimento escolar e coesão familiar – é um fator protetor robusto contra a ideação e tentativas de suicídio.

Qual o valor da vida? A resposta se encontra em um processo íntimo e contínuo de autoconstrução, não pode ser imposto de fora para dentro. Cada indivíduo precisa descobrir seus próprios motivos para persistir – seja ele o amor, a paixão por uma causa, a busca por conhecimento ou a simples alegria de viver. O enfrentamento e o confronto com a própria vulnerabilidade são uma oportunidade para o jovem, gradativamente, reescrever sua história e encontrar um pertencimento.

Esse caminho envolve o autoconhecimento, mas também a coragem de buscar  apoio, da família, da escola, de profissionais de saúde, o que pode se tornar difícil para o jovem, quando ele percebe seus sentimentos e seus atos como algo que os outros desaprovam, julgam, repudiam. É fundamental a presença de um outro, capaz de escutá-lo sem pressa e sem exigências, sem atribuição de culpa ou desvalorização, para permitir que, ao contar, ao falar sobre o que o aflige, isso permita que ele “se escute” e possa construir novos significados para suas vivências. Ter ferramentas capazes de ajudar na construção da autoestima e de uma identidade faz a diferença no vínculo com os familiares, os profissionais de saúde e a sociedade.

Mas é preciso destacar que indivíduos que se sentem sobrecarregados e com muita dificuldade, e principalmente os deprimidos, muitas vezes comunicam seu sofrimento e seu apelo por ajuda de forma não tão escancarada; eles vão dando sinais sutis. Então, cabe ao interlocutor – seja a família, o educador ou o pediatra – estar muito atento aos sinais e manifestações que indiquem essa sobrecarga e esse sofrimento.

A prevenção começa com escuta, vínculo e presença.

Pais e educadores não precisam ter todas as respostas, mas precisam estar disponíveis para caminhar junto com o adolescente, sustentando e acompanhando a busca por ajuda, que representa a possibilidade de encontrar novas razões para viver, para fazer a vida valer a pena.

Propiciar a construção de uma narrativa pessoal que ressignifique a própria existência é dar ao adolescente uma oportunidade para descobrir um verdadeiro valor para sua vida, aquele que ilumina o futuro.

 

Relatoras:

Cristiane da Silva Geraldo Folino
Fernanda Pilate Kardosh
Vera Ferrari Rego Barros
Núcleo de Estudos de Saúde Mental da SPSP