Reumatismo no sangue: mito ou realidade?

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A febre reumática ou reumatismo no sangue, como é conhecida popularmente, é uma doença que ataca articulações, coração e sistema nervoso, inflamando-os.

A causa é uma infecção de garganta pela bactéria estreptococo beta-hemolítico que não recebeu tratamento ou foi mal curada. A bactéria está por toda parte, em especial nas regiões mais pobres, nas quais as condições de moradia e de saneamento básico são precárias. A pessoa contrai o microrganismo e tem a infecção de garganta. Em cinco a sete dias, seu organismo reage, produz anticorpos e neutraliza a bactéria. Decorridas cerca de duas semanas, porém, as pessoas com predisposição para apresentar a febre reumática começam a ter dor e inchaço nas articulações dos membros inferiores, como joelho ou tornozelo. É o sintoma inicial da febre reumática.

A doença atinge sobretudo pessoas de cinco a 15 anos, período no qual se intensificam os relacionamentos humanos. É rara após os 20 anos e dificilmente um adulto tem o primeiro surto. Manifesta-se tanto em meninos quanto em meninas, com predominância discreta entre elas. Não são todas as pessoas com infecção pelo estreptococo que desenvolvem a febre reumática: só aquelas que apresentam predisposição genética.

O mecanismo da moléstia seria o seguinte: ao mesmo tempo em que atacam a bactéria, os anticorpos agridem as articulações, o coração e o sistema nervoso central, em virtude da semelhança que existe entre estruturas desses tecidos e da bactéria.

O sintoma inicial mais freqüente da febre reumática, como dissemos, são dores muito fortes e inflamação nas articulações dos membros inferiores (com inchaço e aumento de temperatura). A dor pode ser tão intensa que a criança pára de andar. Em geral começa em uma articulação, dura dois a três dias, melhora e passa para outra articulação. Isso se chama artrite, que se manifesta em cerca de 70% das pessoas que apresentam febre reumática.

A inflamação poderá ocorrer também no coração (50% dos casos), onde pode atacar o endocárdio (tecido que recobre as valvas cardíacas), o miocárdio (músculo do coração) e o pericárdio (membrana que recobre todo o coração). O mais comum é atingir, principalmente, o endocárdio. Quando a inflamação é discreta, o paciente às vezes não sente nada. Nos casos em que o comprometimento é mais intenso, no entanto, a criança poderá apresentar cansaço ao fazer esforços, taquicardia e até insuficiência cardíaca. A doença é auto limitada, isto é, pode melhorar mesmo sem tratamento, com exceção da inflamação do coração. Existe o risco de danificar as valvas cardíacas de maneira irreversível.

A inflamação poderá também chegar ao cérebro, mais especificamente aos núcleos da base. Com isso, a criança passa a apresentar movimentos involuntários de braços e pernas, fraqueza muscular e labilidade emocional (torna-se chorona e briguenta). Sob estresse, os movimentos aparecem ou pioram. Durante o sono, porém, desaparece tudo.

Como sabemos a causa da febre reumática podemos preveni-la. Prevenção, claro, é fundamental. Crianças e adolescentes que apresentam infecção de garganta têm de ser levados a um pediatra. Esse profissional é encontrado até nos postos de saúde. Ele reconhece fácil a moléstia pelas alterações: dor de garganta, febre, aumento dos gânglios no pescoço e pontos vermelhos ou placas de pus na garganta. O tratamento mais eficaz é o antibiótico (penicilina benzatina) por injeção intramuscular em uma única aplicação nos primeiros nove dias da infecção. Basta apenas uma aplicação para se prevenir a febre reumática, que acarreta tantos prejuízos pessoais e econômicos para as famílias e para a sociedade. A prevenção é imediata. Entretanto, como existem mais de 80 tipos dessa bactéria devemos ficar sempre alerta porque a cada infecção existe o risco de contrair a doença. O uso de outros antibióticos por via oral pode ser indicado eventualmente por 10 dias.

O medo infundado do antibiótico penicilina, vale destacar, infelizmente tem dificultado o tratamento da doença. A temida alergia ou choque anafilático é muito rara, especialmente em crianças com menos de 12 anos de idade. Por outro lado, quando crianças e adolescentes apresentam dor e inchaço nas articulações, também precisam ser levados logo ao médico. A primeira providência é combater a bactéria, mesmo que a dor de garganta tenha passado. Todo comprometimento articular pela febre reumática é tratado com a simples aspirina, que interrompe sua evolução. Quando já atingiu o coração, utiliza-se a cortisona, um antiinflamatório mais potente. Este também interrompe, em duas a três semanas, a progressão da enfermidade, evitando as complicações.

Os danos irreparáveis às valvas cardíacas, infelizmente, só podem ser corrigidos, em muitos casos, por meio de cirurgia. Vale ressaltar, finalmente, a importância de se prevenir outros surtos da febre reumática nas pessoas que já apresentaram a doença, para que não haja o comprometimento do coração (caso não tenha ocorrido no primeiro surto) ou a piora deste. Esta prevenção também deve ser feita, de preferência, com a penicilina benzatina a cada 3 semanas. Todos estes cuidados visam a melhor qualidade de vida de crianças e adultos com febre reumática, como também a maior sobrevida, uma vez que a febre reumática poderá levar ao óbito se não tratada adequadamente.

Para finalizar, é importante que os pais estejam atentos para os sinais que possam sugerir uma infecção de garganta e sempre procurar um pediatra para que a criança seja examinada e tratada adequadamente.
Relatores: Dra. Maria Odete E. Hilário (UNIFESP-EPM), Dr. Clóvis Artur Almeida da Silva (FMUSP), Dra. Virgínia Paes Leme Ferriani (FMRP-USP), Dra. Claudia Saad Magalhães (UNESP-Botucatu) e Dr. Roberto Marini (UNICAMP).
GRUPO DE ESTUDOS DA FEBRE REUMÁTICA DA SPSP – gestão 2004-2006

Texto atualizado em 27/07/2007.