Sintomas respiratórios podem ter relação com a técnica de alimentação da criança

Sintomas respiratórios podem ter relação com a técnica de alimentação da criança

Técnicas de alimentação inadequadas podem facilitar a aspiração, quando o alimento pode invadir as vias aéreas, causando inflamação e doenças respiratórias.


Doença respiratória recorrente é um problema comum em Pediatria e motivo de grande estresse familiar. Frequentemente o pediatra recebe mães referindo que: “a tosse dessa criança não sara nunca”, “corro muito ao pronto-socorro porque tem febre quase todo mês”, “vive com o peito cheio e já teve pneumonia”, “vira e mexe ele tem infecção de ouvido”, “já levamos a vários especialistas, mas esse catarro não sara”, e assim por diante.

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Sabemos que há outras causas para esses quadros, mas vamos falar sobre as técnicas de alimentação inadequadas, porque elas podem facilitar a situação de aspiração, isto é, permitem ao alimento invadir as vias aéreas, causando inflamação e doenças respiratórias.

O risco da aspiração

Aspiração habitual pode ser causa comum de doenças respiratórias, que por sua vez levam a sinais e sintomas de: tosse crônica, pneumonias de repetição, sibilância (som e/ou chiado emitido pelas vias áreas) recorrente, crises de asma, crises de apneia (interrupção ou parada da respiração), otites de repetição, entre outros.

O risco de aspiração existe porque no pescoço estão: o esôfago (que leva alimento da boca para o estômago) e a laringe/traqueia (que leva o ar para os pulmões) e eles compartilham um espaço comum: a faringe (garganta).

Durante os atos de engolir e falar são acionados músculos e válvulas para evitar que o alimento adentre as vias aéreas (seja aspirado), sendo que é imprescindível coordenar as funções deglutir, respirar e falar para não ocorrer a aspiração para as vias aéreas e com o mínimo de deglutição de ar. Exatamente por isso, as técnicas de alimentação são da maior importância.

6 técnicas de alimentação inadequadas em crianças sadias

Formas de alimentação inadequadas frequentemente associadas como causa de doença respiratória recorrente.

1. Mamar deitado – leite materno ou mamadeira – em qualquer idade
O sistema de defesa contra aspiração depende da boa deglutição, que é impossibilitada de ocorrer quando a criança se alimenta deitada. Há mais de 50 anos sabe-se que alimentar-se com mamadeira deitado pode ser a explicação para otites de repetição em crianças pequenas, além de provocar muita tosse e “peito cheio”.   

2. Amamentar ou dar mamadeira durante a noite
Leite materno ou mamadeira durante a noite, cada vez que a criança acorda, interrompe e atrapalha a qualidade do sono da criança. Bebês devem dormir cerca de 12 horas/noite, os pré-escolares e escolares necessitam de 10 a 11 horas, e essas horas são necessárias para executar as três funções do sono:
1ª – recuperação somática: crescimento dos tecidos, via hormônio do crescimento, que faz a incorporação dos nutrientes digeridos e absorvidos de dia e do equilíbrio imunológico (resistência às doenças);
2ª – recuperação cognitiva: a privação de sono pode ser uma das causas de distúrbios de aprendizagem;
3ª – crescimento e recuperação psicológica: estudos observaram maior incidência de distúrbios como hiperatividade, mau humor e até depressão no grupo com sono noturno mais curto ou fragmentado. 

3. Amamentar ou dar mamadeira com a criança dormindo
Situação de alto risco de aspiração, pois o processo de deglutição e os mecanismos de defesa contra aspiração não estão reduzidos durante o sono e o alimento, ao ficar parado no estômago, aumenta a chance de refluir e invadir as vias aéreas, o que é facilitado pela posição deitada. Além disso, pode ocorrer a aspiração silenciosa (leite e saliva vão para as vias aéreas, sem causar tosse ou engasgo).

4. Tomar mamadeira após a idade preconizada
Mamadeiras não são mais necessárias após 18 meses de vida, mesmo que a criança fique sentada na postura ereta. A deglutição é um processo em flexão e, após os 18 meses, o pescoço já cresceu o suficiente para forçar a postura em extensão (com o queixo para cima) que abre e retifica a via aérea, postura esta que favorece a aspiração. Lembrar que os copos com bico também obrigam à extensão do pescoço.

5. Mamadeira na hora de dormir
Não há tempo para o esvaziamento gástrico e o alimento pode refluir e invadir as vias aéreas.

6. Overfeeding (do inglês), mamadeiras que comportam volume exagerado
Recentemente foram lançados modelos de mamadeiras com até 350ml. Essa quantidade de líquido pode provocar grande distensão do estômago da criança, facilitando refluxo e aspiração.

Estas seis formas de alimentação inadequada são frequentemente associadas e são pouco valorizadas como causa de doença respiratória recorrente.

Recomendações para prevenir a aspiração

1. Mamadeira e chupeta. As mamadeiras (e chupetas) devem ser retiradas até 18 meses; substituir a mamadeira por copo comum ou canudo.

2. Mamadeiras noturnas devem ser retiradas e a criança deve ficar na posição ereta por pelo menos uma hora antes de deitar para dormir. Lembrar que o crescimento só acontece durante o sono da noite, portanto crianças precisam dormir cedo. 

3. O bebê, ao ser amamentado ou receber a mamadeira, deve estar no colo da mãe, com a cabeça elevada. Mamar deitado pode provocar aspiração em qualquer idade, por isso a criança deve estar sempre sentada para ser alimentada.

Lembrar que tosse crônica, catarro ou chiado no peito e otites de repetição podem ser consequência de episódios de aspiração.

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Relatora:
Tania Quintella
Departamento Científico de Pneumologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo

Publicado em 17/07/2019