Talassemias

Talassemias

Sociedade de Pediatria de São Paulo
Texto divulgado em 06/05/2022


Definição

As talassemias são doenças genéticas que causam anemia e outras complicações e necessitam de diagnóstico precoce e tratamento especializado. Elas fazem parte do grupo das hemoglobinopatias, em que existe um defeito genético que afeta quantitativamente a produção das hemoglobinas, e assim podem ser do tipo alfa ou beta, e mais raramente delta talassemia. Essas mutações genéticas podem ainda estar associadas a outros defeitos qualitativos das hemoglobinas como, por exemplo, a doença falciforme S-Beta.

O quadro clínico é variável e depende do tipo e do defeito genético que está presente.

 

Prevalência e quadro clínico 

As betatalassemias

As betatalassemias são muito frequentes na região do mar mediterrâneo. Em grego, “thalassa” significa mar, e “aima”, doença do sangue, por isso também são conhecidas como “Anemia do Mediterrâneo”. São muito comuns na Itália, Grécia, no Oriente médio, Índia, Ásia central, sul da China, extremo oriente e norte da África.

As três formas de talassemia são descritas a seguir:

Talassemia beta menor/traço talassêmico beta – apresenta anemia leve e microcitose no hemograma, às vezes palidez e adinamia. É o indivíduo heterozigoto, que tem só um dos genes alterados e não tem a doença, mas pode transmitir o defeito genético para seus filhos. Então é importante o aconselhamento genético e a investigação do parceiro(a) do indivíduo, para se conhecer a possibilidade de ter um filho com talassemia major. O indivíduo com talassemia minor tem uma vida normal, não necessita de tratamento específico e medicamentos.

Talassemia beta intermediária (ou intermédia) tem anemia moderada a grave, podendo necessitar de transfusões de hemácias de forma esporádica ou crônica. Os tipos de defeitos genéticos são variáveis e sua diferenciação da talassemia major é feita com critérios clínicos, mais do que laboratoriais. Este indivíduo deve ser acompanhado em um centro especializado para avaliação criteriosa do tratamento e das complicações.

Talassemia beta maior ou major, ou anemia de Cooley – que é forma mais grave de anemia, que se manifesta nos primeiros meses de vida, e necessita de transfusões regulares de transfusões de hemácias a cada 2 a 4 semanas para garantir o crescimento e o desenvolvimento do paciente e acompanhamento das complicações. No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, há cerca de 305 pessoas com talassemia major e 256 pessoas com talassemia intermediária. Esses indivíduos precisam de um acompanhamento regular num centro especializado com hematologista e equipe multiprofissional. As transfusões de sangue levam à sobrecarga de ferro no corpo, e então são necessários exames para detectar essas alterações e medicamentos quelantes de ferro para eliminar o excesso de ferro, para preservar as funções dos órgãos. A qualidade do sangue é muito criteriosa e muito segura no Brasil, mas como o sangue é um produto biológico, algumas complicações podem acontecer em decorrência das transfusões, como reações transfusionais, e possíveis infecções, mas estas também são monitorizadas durante o tratamento. A qualidade de vida do indivíduo é boa, ele pode e deve estudar, trabalhar, ter uma vida plena e buscar atingir os seus sonhos e potencialidades.

Há medicamentos utilizados para modular a gravidade das betatalassemias (5 azacitidina, citarabina, hidroxiureia, butirato, talidomida e o luspatercept). Seu uso é individualizado e deve ser ponderado pelo especialista. Os tratamentos curativos são as terapias gênicas (com lentivírus e edição de genoma) e o transplante de células-tronco hematopoiéticas (ou transplante de medula óssea), mas a sua aplicação ainda não está amplamente disponível no Brasil.

 As alfatalassemias

As alfatalassemias são mais comuns nos países do Mar Mediterrâneo, no Sudeste da Ásia, na África e na Índia e chegaram ao Brasil por causa da imigração dos povos oriundos desses países.

As mutações das talassemias alfa afetam um ou mais dos 4 genes da alfa globina e levam a quadros clínicos diferentes, a saber:

Portador silencioso: é assintomático e pode ser detectado apenas no teste do pezinho ou por exames genéticos. Nesse caso só um dos 4 genes é alterado. 

Traço talassêmico alfa: há alteração de dois genes alfa e o indivíduo pode ter anemia leve e microcitose no hemograma, além de poder apresentar palidez e adinamia, às vezes.

Doença da hemoglobina (Hb) H: cursa com anemia moderada a grave, pois aqui ocorre a mutação de 3 dos genes alfa. O paciente pode ter esplenomegalia e deve ser acompanhado por um hematologista. Eventualmente pode necessitar de transfusões de hemácias em situações específicas.  

Síndrome da hidropsia fetal da hemoglobina Bart’s: é uma anemia muito grave, que já se  instala intraútero e causa edema generalizado, com disfunção dos órgãos, e é incompatível com a vida.  

Diagnóstico

O diagnóstico da talassemia é feito pelo teste do pezinho (teste de triagem neonatal), que no Brasil é universal, ou seja, todas as crianças têm o direito de ter o teste realizado. Os pais ou responsáveis devem cobrar que seja feita a sua coleta no período neonatal, já na maternidade ou na Unidade Básica de Saúde, e o pediatra tem a obrigação de avaliar o resultado, orientar a família e encaminhar a criança para o hematologista, se houver a suspeita diagnóstica. Entre outras doenças, nessa triagem é feita a pesquisa de hemoglobinopatias, com a técnica de HPLC (high performance liquid chromatography, ou cromatografia líquida de alta resolução) e a FIE (focalização isoelétrica). Se o recém-nascido foi prematuro ou recebeu transfusões no berçário, a pesquisa de hemoglobinopatias não é realizada e a criança tem que colher o exame posteriormente. Em geral, a APAE (Associação de pais e amigos dos excepcionais) ou o laboratório responsável pela triagem neonatal já reconvoca o indivíduo com teste alterado para confirmar o resultado. É importante comparecer para a nova coleta, pois é necessária a confirmação de um teste que pode detectar alterações que devem der diagnosticadas e tratadas precocemente.    

Na betatalassemia major e intermediária, há a presença somente de hemoglobina Fetal (Hb F). Então, o indivíduo deve ser encaminhado imediatamente para o hematologista para confirmar o diagnóstico e iniciar o tratamento. O hemograma vai mostrar anemia já com cerca de 6 meses de idade (Hb em torno de 7g/dL, ou menos), com microcitose (VCM baixo) e a eletroforese não tem Hb A1, apenas Hb Fetal e A2.

Na betatalassemia minor, o teste do pezinho pode vir normal e a anemia com microcitose (VCM baixo) pode aparecer no hemograma realizado de rotina ou em alguma intercorrência. Então, deve ser pedida a eletroforese de hemoglobina (Hb), que tem presença das hemoglobinas normais, porém a Hb A2 está aumentada (maior que 3,5%). Para não confundir com a anemia ferropriva, que é mais comum, o perfil de ferro também deve ser avaliado.

Nas alfatalassemias, o teste do pezinho mostra a presença da Hb Bart´s. A quantidade é pequena no portador silencioso e no traço talassêmico e maior na doença de Hb H. É preciso encaminhamento para o hematologista para avaliar corretamente e fazer o seguimento desses indivíduos.

Concluindo

As formas graves das talassemias são pouco frequentes no Brasil, porém todas as formas necessitam de diagnóstico, orientação e aconselhamento genético. Os indivíduos com betatalassemia major e intermédia são acompanhados em centro especializados, devem ser orientados e cuidados para garantir o crescimento e desenvolvimento para alcançar boa qualidade de vida e sobrevida longa, para realizarem seus sonhos e propósito de vida. Os indivíduos heterozigotos, com as formas leves ou assintomáticas não necessitam de tratamento, mas de orientação adequada para terem uma vida plena e feliz da maneira como escolherem.

Para saber mais:

  1. Abrasta – Associação Brasileira de Talassemia
  2. Thalassaemia International Federation (Federação internacional de talassemia)
  3. Orientações para o diagnóstico e tratamento das Talassemia Beta (Manual do Ministério da Saúde, 2016, 1.a Ed.)

 

Relatora:
Miriam V. Flor Park
Presidente do Departamento de Hematologia e Hemoterapia da Sociedade de Pediatria de São Paulo

 

Foto: valmedia | depositphotos.com