Triagem Neonatal: Considerações a respeito do Teste da Linguinha

Relatoria:
Documento elaborado pela Presidência da SPSP em conjunto aos Deptos Científicos de  Aleitamento Materno, Neonatologia e Otorrinolaringologia e Grupo de Trabalho Saúde Oral da SPSP.
 
 

Os Projetos de Lei nº 659/12 da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, Projeto de Lei 511/12 da Câmara Municipal de São Paulo e a Lei 4416 de 22/11/2012 da Prefeitura de Rio Claro (SP) propõem a obrigatoriedade de realizar o “Teste da Linguinha” em todos os recém-nascidos e em todas as maternidades, configurando um Programa de Triagem de uma deficiência ou doença.

Programas de triagem deveriam obedecer a critérios. Os habitualmente usados seguem aqueles propostos pela Organização Mundial da Saúde:

  • A condição a ser triada deve ser um importante problema de saúde;
  •  A história natural da doença deve ser bem conhecida;
  • Deve existir um estágio precoce identificável;
  • O tratamento em estágio precoce deve trazer benefícios maiores do que em estágios posteriores;
  • O teste deve ser desenvolvido para o estágio precoce;
  • Deve ser aceitável pela população;
  • Intervalos para repetição do teste devem ser determinados;
  • Deve ser custo-efetivo;
  • Deve haver um protocolo que defina quem deve ser tratado como paciente;
  • A provisão dos serviços de saúde deve ser adequada para a carga extra de trabalho clínico resultante da triagem;
  • Os riscos, tanto físicos quanto psicológicos, devem ser menores do que os benefícios.

 

O Comitê Multiprofissional em Saúde Auditiva – COMUSA, do qual fazem parte representantes da Sociedade Brasileira de Pediatria, Academia Brasileira de Audiologia, Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial, Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia e Sociedade Brasileira de Otologia, recomenda, também, os critérios do US Preventive Task Force in Screening in New Born. US Recommendation Statement para que um programa de triagem seja implantado:

 

A prevalência da doença ou deficiência testada deve justificá-lo;

  • Trabalhos estatísticos com casuísticas significativas devem comprovar a incidência da doença ou deficiência em nosso meio;
  • Os procedimentos de triagem necessitam ser sensíveis e específicos;
  • O custo precisa ser compatível com a efetividade desejada;
  • A triagem deve ser universal, isto é, atingir mais de 95% da população;
  • Aceitação e conscientização, por parte dos profissionais da área e da própria população;
  • A equipe a ser constituída deve ser multiprofissional (neste caso, constituída por pediatra neonatologista, fonoaudiólogo, enfermeira, assistente social e, quando necessário, cirurgião pediátrico ou otorrinolaringologista para o tratamento cirúrgico).

Na questão do “Teste da Linguinha”, baseado no Protocolo de Avaliação do Frênulo da Língua em Bebês, há alguns pontos não esclarecidos:

  • O teste foi validado utilizando uma casuística maior?
  • Qual o momento ideal para a execução do teste?
  • Qual seria o fluxograma de encaminhamento para tratamento do recém-nascido, em caso de alteração no teste?
  • Não há trabalhos que demonstrem a prevalência desta alteração em trabalhos nacionais ou internacionais.
  • Não há, até o presente, citações de fontes científicas que relacionem o comprometimento do ganho ponderal dos RNs com freio curto para a implantação de um programa de triagem.
  • Ele não consta nas tabelas de procedimentos, como a tabela SUS (embora o Projeto de Lei da Câmara Municipal de São Paulo refere arcar com os custos).

Com base nessas ponderações, a SPSP, ouvidos os Departamentos Científicos de Aleitamento Materno, Neonatologia e Otorrinolaringologia e o Grupo de Trabalho sobre Saúde Oral, considera que não há subsídios técnicos suficientes para a implantação do “teste da linguinha”como parte de um Programa de Triagem Neonatal neste momento, uma vez que ele não preenche os critérios propostos pela OMS e pelo da US Preventive Task Force in Screening in New Born.

Sem dúvida, a avaliação sistematizada da mamada é importante para a boa assistência oferecida pelos serviços de neonatologia. Podem ocorrer alterações anatômicas, como o freio lingual encurtado ou totalmente fixo (anquiloglossia), que dificultam a  “pega” da criança para a amamentação. A avaliação da língua é, portanto, um item importante do exame físico do recém-nascido e do lactente jovem, de fácil execução, às vezes negligenciada pelos pediatras, pois pode ser necessário intervir para auxiliar o recém–nascido na extração do leite da mama de suas mães.

A indicação para frenectomia é controversa e depende da resposta funcional da língua nos movimentos para ordenha durante a mamada. Do total de 273 pacientes avaliados por Ballard et al, apenas 3,2% de bebês internados e 12,8% dos provenientes do ambulatório tiveram indicação cirúrgica.

A frenectomia na maternidade pode ser necessária, porém, na maioria dos casos, o período neonatal não é o ideal para tal intervenção, pois nem sempre há interferência no aleitamento. Na maioria das vezes, a criança deve ser acompanhado pela pediatra em seguimento ambulatorial. Se houver comprometimento clínico que justifique melhor avaliação, o pediatra poderá orientar a conduta em colaboração com uma equipe multiprofissional.