Uso de esteroides anabolizantes e similares na adolescência*

Uso de esteroides anabolizantes e similares na adolescência*

Na sociedade atual existe um apelo muito grande pela aparência física. Tal fato é estimulado pelas mídias e redes sociais, onde o corpo perfeito é almejado. A adolescência é uma fase de transição em que o desenvolvimento final corporal ainda não está estabelecido. Toda ação hormonal exógena nesta fase pode ter consequências momentâneas e futuras, atingindo meninos e meninas.

Entre os meninos, cultua-se como perfeito um corpo musculoso e forte, não compatível com um adolescente em desenvolvimento e, muitas vezes, só obtido com o uso de anabolizantes. Entre as meninas o apelo para o uso de esteroides é menor, mas percebe-se também um progressivo aumento de busca pelo aumento da massa muscular. Para atingi-lo, muitas vezes a testosterona e seus derivados são usados indevidamente e com vários riscos à saúde. O uso entre aqueles que desejam melhorar a aparência e o condicionamento físico tornou- se uma verdadeira epidemia mundial e deve ser considerado um grande problema social e de saúde.

A testosterona é o hormônio responsável pelo desenvolvimento de características sexuais masculinas. Os esteroides anabolizantes e similares (EAS) foram criados através da modificação da molécula de testosterona na tentativa de ampliar seus efeitos anabolizantes e reduzir seus efeitos virilizantes.

A reposição terapêutica de testosterona tem seu uso na medicina, sendo indicada em situações de deficiência diagnosticada em homens e no cuidado à pessoa com incongruência de gênero ou transgênero. Nestes casos existem doses e formas de tratamento já padronizadas, mas o seu uso de forma inadvertida traz inúmeras preocupações dos especialistas com relação à segurança a longo prazo. O uso dessas substâncias para fins de ganho de desempenho no esporte amador, para fins estéticos ou como agentes antienvelhecimento é desprovido de qualquer base científica, sendo acompanhado de riscos bem descritos na literatura, justificando a proibição de seu uso nestes casos pelo Conselho Federal de Medicina, através da Resolução nº 1999/2012. O uso dos EAS por atletas de competição é proibido pelo Comitê Olímpico Internacional desde a década de 1970.

Adolescentes estudantes do ensino médio representam um grupo de risco altamente vulnerável para o uso de EAS e, portanto, devem ser o principal alvo de programas educativos e preventivos. Estudos nos EUA mostram que os meninos têm uma prevalência de uso de 3,8% entre aqueles com peso correto, a até 11,9% a 12,6% entre os que se consideravam muito acima ou abaixo do peso.

O culto atual ao “corpo perfeito” estimula o uso de EAS, independentemente de sexo, idade e condição cultural e social. Os vários riscos resultantes da abusiva aplicação sem indicação médica (off label) e antiética desses agentes são desconsiderados, em prol de um mercado extremamente lucrativo, irregular e definitivamente não seguro. A dependência de EAS pode atingir cifras de até́ 57,1% dos usuários, e é muito mais frequente neste grupo o abuso de outras substâncias, como álcool, nicotina e cocaína, assim como a prevalência de hepatite B, hepatite C e infecções pelo HIV.

Os efeitos adversos da testosterona normalmente são leves e facilmente tratáveis nas doses terapêuticas prescritas em tratamentos médicos, mas nos casos de abusos e utilização off label da testosterona e EAS, esses efeitos adversos podem ser severos, irreversíveis e potencialmente fatais, uma vez que são usadas doses 5-15 vezes maiores que as doses clínicas preconizadas, muitas vezes em preparações manipuladas sem qualquer controle sanitário e até́ mesmo indicadas para uso veterinário.

Os usuários de EAS acreditam que podem evitar tais efeitos colaterais indesejados e para isso acabam utilizando outras drogas e realizando tratamentos sem comprovação científica, o que pode maximizar os efeitos das drogas e riscos.

Os efeitos colaterais do abuso com EAS incluem falta de produção do hormônio masculino pelo testículo, infertilidade, ginecomastia, acne, calvície, lesão no fígado, perturbações psiquiátricas (comportamento agressivo e suicida, depressão, risco de crimes aumentado), dependência, abscessos cutâneos e musculares e lesões ortopédicas. Nas mulheres, além de vários desses eventos adversos, são comuns as manifestações de hiperandrogenismo, que incluem excesso de pelos, engrossamento da voz, aumento do clitóris e queda de cabelo. No sistema nervoso central ocorrem mudanças que facilitam o desenvolvimento de comportamentos de dependência de drogas. No coração, o abuso prolongado de doses altas dos anabolizantes pode levar à alteração na fibra cardíaca, com hipertensão e disfunção, que podem gerar arritmias e morte súbita. Além disso, promove outros efeitos deletérios, como elevação dos níveis de colesterol e alterações na coagulação, que resultam numa taxa de mortalidade por problemas cardiovasculares três vezes maior entre os usuários de EAS.

Os pais, assim como o médico pediatra, devem estar atentos para sinais de transtornos corporais em adolescentes, como aumento rápido da massa muscular, e mesmo para a intenção de uso de EAS nessa população, trabalhando educação e acolhimento. Uma equipe interdisciplinar, envolvendo especialistas médicos, da nutrição, da educação física e da psicologia, pode melhor abordar esse perfil de pacientes.

Programas educacionais com orientações sobre o risco devem ser estimulados para diminuir a intenção de uso e a taxa de primeiro uso. Esses programas educacionais precisam ser direcionados às salas de aula do ensino médio e aos cenários de práticas esportivas individuais e coletivas, amadoras e de alto rendimento, nessa faixa etária. O uso desses agentes pode até, muitas vezes, atingir o objetivo externo da aparência almejada, mas a um custo elevado para a saúde. Com certeza, os danos são maiores que os ganhos.

Saiba mais:

*Este texto tem como referência o posicionamento da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) a respeito do uso de esteroides anabolizantes e similares (EAS) para fins estéticos ou para ganho de desempenho esportivo.


Relatores:
Jesselina Francisco dos Santos Haber
Membro do Departamento Científico de Endocrinologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo 

Clayton Luiz Dornelles Macedo
Presidente da Comissão de Endocrinologia do Exercício e Esporte da SBEM