1.000 dias de desenvolvimento psicossocial: esperança e vontade

1.000 dias de desenvolvimento psicossocial: esperança e vontade

As duas primeiras etapas dos oito estágios do desenvolvimento psicossocial proposto por Erik Eriksson, na metade do século passado, abrangem o período de vida da criança denominado hoje, pelos pediatras, de 1.000 dias. Esse período se inicia no dia da concepção e termina ao final do segundo ano de vida.

O nome Esperança, dado ao estágio 1 pelo psicólogo norte-americano, é extremamente bem aplicado e quase que autoexplicativo, uma vez que se refere ao período dos bebês recém-nascidos até 1 ano de idade. Do ponto de vista psicossocial, ele diz que nessa época está em jogo o conflito entre confiança X desconfiança. É exatamente nessa fase que a criança desenvolverá sua confiança. É quando começa a acreditar que o mundo fora do ambiente uterino – acolhedor e confortável – não é tão assustador assim. Ela começa a perceber que basta choramingar um pouco que vai ter alguém perto para satisfazer sua fome, dar-lhe de mamar, tirar o incômodo da sua fralda suja e úmida, agasalhá-la quando estiver mais frio ou tirar a roupa em excesso se estiver com calor, abraçá-la e acariciá-la quando estiver com medo e insegura e protegê-la. 

A cada dia essa confiança vai crescendo, à medida que a própria criança amplia o seu espectro de testagens ao interagir com o mundo ao redor – mundo esse que vai tomando dimensões gigantescas à medida que seu desenvolvimento neuropsicomotor lhe permite sustentar a cabeça, sentar-se, engatinhar e andar. Não só a confiança nas relações interpessoais será sedimentada, mas também a confiança em si mesma – ela aprende a dizer para si própria:  eu posso, eu consigo. Nessa fase, assim como em todas as demais, é importante que a criança receba apropriados estímulos psicoemocionais, físicos, sensoriais, intelectuais, para criar sinapses em seu sistema nervoso central que construam caminhos neurais duradouros e eficazes.

Chamar esse período de Esperança é quase uma maneira poética de interpretar o significado de uma nova vida para uma família e para o mundo. É reconhecer que ali, naquele ser, está a novidade, uma potência que precisa ser desabrochada sob a supervisão de pais, professores, pela sociedade em geral. Este é um período de alto investimento.

O estágio 2, cunhado com a palavra Vontade por Eriksson, caracteriza -se pelo conflito entre vontade X autonomia; corresponde ao período de 1 a 3 anos e inicia-se quando a criança começa a andar. Nascemos seres “desejantes”, portanto, cheios de vontades. A grande expressão dessa vontade, nessa fase, é a curiosidade da criança: quer tocar em tudo, pegar o que aparece em seu caminho, experimentar a forma, o gosto (tudo pode ir à boca), a resistência e consistência (pega, chuta, amassa, arremessa), a capacidade de suplantar obstáculos e dificuldades (trepar em cadeira,  subir na mesa, enfiar-se embaixo de qualquer móvel, abrir quantas gavetas encontrar, colocar o dedo em qualquer buraquinho, empilhar coisas, tentar colocar objetos em espaços cuja abertura nem sempre tem um diâmetro equivalente). A criança nessa fase investiga o mundo e ao mesmo tempo busca e amplia a sua autonomia e independência. O dilema está posto: quero tudo, mas nem tudo é conveniente, daquele jeito ou naquele instante; quero mais, mas não estou apta para “aguentar” essa carga. Período de supervisão imperiosa, de orientação cuidadosa. Necessário que os estímulos sejam adequados a esta fase para que atinjam o objetivo proposto: ganho de independência.

 

Cito os demais estágios propostos por Eriksson, com as respectivas alcunhas:
Estágio 3: Propósito – crianças pré-escolares.
Estágio 4: Competência – crianças em idade escolar.
Estágio 5: Fidelidade – adolescentes.
Estágio 6: Amor – jovem adulto.
Estágio 7: Cuidado – adultos de meia idade.
Estágio 8: Sabedoria – velhice.

 

A grande lição que o psicólogo norte-americano nos dá é lembrar que na vida experimentamos crises, naturalmente (ou inevitavelmente), desde que nascemos. As crises devem ser entendidas como situações desafiadoras que nos permitem superar-nos e aprender mais sobre nós mesmos, nesses oito ciclos de vida.

 

Como já nos dizia a vovó: crise é também uma oportunidade.

 

Relator:
Fernando MF Oliveira
Coordenador do Blog Pediatra Orienta da Sociedade de Pediatria de São Paulo

 

Foto: isaac-quesada I unsplash.com