No século XIX, a adolescência passou a ser reconhecida como período crítico da existência humana; porém, a fase adolescente, produto de cada cultura, apresenta-se, freqüentemente, veiculada à vulnerabilidade e ao risco inerentes às mudanças e transformações vivenciadas neste momento da vida.
Dentro os fatores de risco neste período da vida, destacam-se aqueles relacionados ao exercício da sexualidade que pode ter como conseqüência a gravidez precoce, o aborto, as doenças sexualmente transmissíveis, com possíveis seqüelas de relevância variável, tanto nos casos de HIV – AIDS, como mais recentemente naqueles vinculados aos papiloma vírus humano (HPV), considerado potencialmente oncogênico.
É relevante lembrar, que ao conceito de risco se antepõe o da prevenção. A prevenção no caso da sexualidade tem como aspecto relevante a educação sexual, que na realidade se confunde com a valorização do ser humano através do resgate do auto cuidado e cuidado com o outro, dentro de um exercício de cidadania, que inclui escolhas envolvendo desde métodos anticonceptivos até vacinas como no caso do HPV ou da própria hepatite B.
Ao longo das últimas décadas, diversas linhas de pesquisa convergiram para a identificação do HPV como agente etiológico do câncer cervical.
Os mecanismos de transformação do HPV foram elucidados e ficou estabelecido ser ele um verdadeiro “vírus tumoral”, carregando genes, codificando enúmeras proteínas que interferem no controle do ciclo celular, propiciando sua transformação e crescimento desordenado.
O HPV é um DNA vírus. Atualmente são conhecidos mais de 100 tipos de HPV, dos quais 30 a 40 afetam as regiões ano-genitais sendo 15 a 20 classificados como oncogênicos.
Os tipos do HPV 16 (54%) e 18 (16%) são responsáveis por aproximadamente 70 % dos cânceres de colo do útero, vagina e ânus e de cerca de 30% a 40% dos cânceres de vulva, pênis e orofaringe. Outros tipos de câncer que apresentam relação com o HPV são os de pele (não melanoma) e os de conjuntiva. Os subtipos seis e 11 são encontrados em aproximadamente 90% das verrugas genitais.
Hoje, é vista com ressalvas a divisão em oncogênico e não-oncogênico, posto que o mesmo tipo de HPV pode ser não-oncogênico para certo tipo de região corporal ou órgão e sê-lo para outros, sendo cada vez mais pertinente o uso do conceito de alto e baixo risco.
É importante ressaltar que o HPV constitui um fator relevante para o desenvolvimento do câncer de colo de útero, mas não é causa suficiente para a sua ocorrência, sendo necessários outros fatores como o uso prolongado de anticonceptivos orais, a alta paridade, o consumo de tabaco e fatores nutricionais, co-infecção pelo HIV; constituem outros determinantes prováveis a infecção por Chlamydia trachomatis ou pelo vírus do Herpes simples. Além destes, fatores genéticos e imunológicos do hospedeiro, como carga viral e integração viral, imunossupressão deverão ser considerados.
A imune resposta natural à infecção pelo HPV é imprevisível em virtude da capacidade do papiloma vírus de escapar das respostas imunológicas. Diversos fatores podem minimizar ou impedir a exposição do HPV ao sistema imunológico, tais como: não existe uma fase de viremia e assim o sistema imunológico externo ao epitélio tem pouca oportunidade de detectar o vírus; os queratinócitos podem ser relativamente menos suscetíveis à lise citotóxica mediada pelos linfócitos do que as outras células infectadas; os níveis de manifestação das proteínas do HPV, também podem reduzir a probabilidade de imuno-resposta, pois as proteínas virais precoces estão localizadas no núcleo.
Atualmente o condiloma acuminado aparece como a doença sexualmente transmissível mais freqüente no mundo. O Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC) revela que o risco, em vida, para aquisição da infecção por este vírus, em indivíduos, de ambos os sexos, sexualmente ativos, é de 50%.
De acordo com a estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS) a incidência mundial da infecção pelo HPV, das displasias de baixo e alto risco é de 300 milhões, 30 milhões e dez milhões de casos respectivamente. A OMS relata que a cada ano ocorrem 30 milhões de caso de verruga genital e aproximadamente 500 mil novos casos de câncer.
A divulgação dessas cifras em relevante para estimular a reflexão dos pediatras sobre a importância da vacina contra o HPV, pois diferentemente de outras patologias preveníveis ou minoradas pela imunização, que podem ser por eles ativamente acompanhadas, os agravos provocados pelo HPV se encontram no futuro e só serão percebidos, mais tarde, pelos ginecologistas e oncologistas.
Sabe-se que a prevalência do HPV por faixa etária varia ao redor do globo terrestre, mas sem dúvida o grande grupo de risco é constituído por adolescentes, lembrando que a precocidade da relação sexual é um fator de comprometimento fundamental.
A infecção pelo HPV é normalmente transmitida pelo contato sexual, principalmente via intercurso sexual, muito embora possa ocorrer sem penetração. É uma infecção por contato que podem ser genital-genital, manual-genital, oral-genital. Outras rotas que não assexuais ainda não são tão bem documentadas. O risco deixa de existir frente à abstinência sexual ou relações monogâmicas de parceiros nunca portadores.
As verrugas são reconhecidas como patologias de jovens. São muito contagiosas; 75% dos parceiros sexuais desenvolvem verrugas quando expostos.
O tratamento pode ser doloroso, constrangedor com ampla margem de insucesso e recidivas freqüentes. Algumas drogas podem provocar desde fístulas até agravos neurotóxicos. As taxas de recorrência para os diversos tratamentos variam de 5% a 40%.
Vacinas contra o HPV
Encontram-se disponíveis no mercado a vacina quadrivalente recombinante 16, 18, 6, 11, Gardasil da Merck Sharp & Dohme e a vacina bivalente recombinante 16 e 18, Cevarix, da Glaxo Smith Kline, ambas eficazes, seguras e bem toleradas.
Neste texto vamos nos deter na vacina quadrivalente por sua maior abrangência (contempla a prevenção de verrugas genitais) e pelo fato dos subtipos 6 e 11 não estarem ligados apenas às verrugas, mas também a outros tipos de câncer que não foram aqui discutidos.
A vacina quadrivalente é uma construção de bioengenharia constituída por partículas de proteína vírus-like de L1 do HPV e tem como adjuvante hidróxido sulfato fosfato de alumínio. Segue abaixo a construção referida, adjuvante, dosagem e data de aplicação.
Vacina Quadrivalente de PPV* de L1 do HPV |
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A imuno-reposta natural para a infecção cervical pelo HPV é demorada e frágil. A vacina conferirá respostas muito mais potentes do que aquela da exposição natural: maior quantidade de antígenos; títulos de anticorpos mais elevados; anticorpos neutralizantes específicos diretamente relacionados à eficácia e proteção cruzada cada vez mais comprovada.
Em relação à proteção cruzada é importante reafirmar que ela está vinculada a semelhança existente entre os subtipos virais. Assim, esta semelhança se verifica entre o HPV 16 e os 31, 33, 35, 52 e entre o HPV 18 e os 39, 45 e 59 o que incrementaria a proteção para outros subtipos inclusive os oncogênicos.
Os estudos de eficácia da vacina quadrivalente demonstraram uma proteção de praticamente 100% em relação aos subtipos nela contidos. Em relação à persistência da proteção vacinal, até o presente momento não existe necessidade de novas doses posto que a memória imunológica se mantém.
Em relação aos efeitos adversos, eles são locais como dor e rubor, sendo relatado febre como principal efeito sistêmico.
Em relação à vacina quadrivalente 6, 11, 16, 18 comprovou-se:
- Alta eficácia na prevenção de câncer cervical, vulvar, vaginal e outras doenças ano-genitais causadas pelos tipos 6, 11, 16 e 18.
- Substancial redução de CIN 2/3 e AIS comparada ao uso de placebo
- Imunogenicidade comprovada em adolescentes e mulheres jovens
- Evidência de resposta anaminéstica
- Segurança
- Boa tolerância
- Boa aceitação
- Efeitos colaterais locais e apenas febre como efeito adverso sistêmico
- Estudos para o sexo masculino apontam para o mesmo resultado
- Estudos para mulheres até 45 anos mostraram um eficácia comparável (~ 92%)
Imaginando-se que só a prevenção modifica a história natural da doença, torna-se fundamental uma política pública de saúde sexual que promova ações coletivas iniciadas pela sensibilização e capacitação dos técnicos.
Relatora: Dra. Maria Ignes Saito
Membro do Departamento de Adolescência da SPSP – gestão 2007-2009; Professora Livre Docente pelo Departamento de Pediatria da FMUSP e Médica Chefe da Unidade de Adolescentes do Instituto da Criança do HC – FMUSP, São Paulo, SP.
Texto recebido em 9/2/2009.