Alguns questionamentos sobre eutanásia

1. Em termos médicos e jurídicos, o que é Eutanásia?
R.:
Em primeiro passo, cabe conceituar o vocábulo Eutanásia. A palavra, de origem grega, teria em sua tradução literal, o sentido de “boa morte” ou “morte apropriada”. Já pela simples análise semântica, tem-se a complexidade de seu real significado. Assim, como se poderia, realmente, caracterizar o que seria uma boa morte? Está claro, que para este julgamento, conceitos particulares, próprios, adquiridos em diversas fases da vida, influenciam, diretamente, no julgamento individual final. Portanto, experiências existenciais individuais conduzem a avaliações distintas, que permitem visões e, por conseqüência, ações diferentes que não podem ser simplesmente caracterizadas como certas ou erradas. Outro problema a ser enfrentado diz respeito a que a palavra eutanásia tem sido usada de maneira confusa e até ambígua, trazendo diferentes significados, de acordo às diversas análises impostas pelos diversos autores, em diferentes épocas. Com o intuito de se diminuir a “confusão” atribuída à palavra eutanásia, vários outros termos foram criados – como distanásia, mistanásia, ortotanásia – mas, ao contrário, estes novos vocábulos têm trazido, freqüentemente, mais problemas conceituais.


Não há, em nosso país, normatização ética ou jurídica, que permita a prática de eutanásia. Ao contrário, não se pode falar, em nenhum caso, pela ocorrência de “eutanásia permitida”. Entretanto, um grande número de profissionais médicos entende que, nos casos em que não exista qualquer possibilidade de reversão do processo morte, que ocorreria, inexoravelmente, a curto prazo, a realização de procedimentos invasivos caracterizar-se-ia como um prolongamento da dor do paciente, o que se contraporia, frontalmente, a um dos pilares éticos da Medicina, qual seja, o de diminuir o sofrimento do ser humano. Poder-se-ia discutir, nestes casos, o termo ortotanásia como o da adequada abordagem diante de um paciente que está morrendo, ou seja, como a utilização de cuidados paliativos adequados prestados aos pacientes, no momento final de sua vida.

2. Em que aspecto a Eutanásia fere a Bioética e a própria Constituição?
R.:
Como já discutido, não há como se falar em permissão ética ou legal para a prática de eutanásia. Dentre dos quatro Princípios da Ética Médica, qual sejam, da Beneficência, da Não-maleficência, da Autonomia e da Justiça, poder-se-ia inferir, que ao prolongar a vida de um paciente, em casos em que não haja a possibilidade de reversão de uma iminente morte, o médico estaria se contrapondo ao Princípio da Não-maleficência, pois se estaria causando mal ao indivíduo, visto que, se agiria, apenas, aumentando o sofrimento, a dor do doente, sem probabilidade alguma de bloqueio do evento final. Ainda, se um paciente terminal, adequadamente consciente, optasse pela interrupção de determinado tratamento, estaria fazendo valer a sua Autonomia, valor ético inquestionável e fato legal permitido por Lei em nosso Estado (Lei Estadual nº 10.241/99). Por outro lado, como pratos de uma balança, a Ética Médica tenta equilibrar, de um lado a preservação da vida e, por outro, o alívio do sofrimento. Se considerarmos a eutanásia como uma afronta à vida, caracterizar-se-ia uma desproporção nesta relação de forças e, portanto uma afronta ética.


Quanto à Constituição Pátria, tem-se, em seu bojo, como uma de suas cláusulas pétreas, o Direito à Vida. Novamente, contrapondo-se, em uma análise simplista, a eutanásia, em qualquer caso, como um atentado à vida, este conceito apresentar-se-ia como um tiro de morte à cláusula constitucional imutável. Por outro lado, os direitos à Dignidade, à Liberdade e Autonomia da Vontade, também constitucionais pétreos, poder-se-iam se contrapor ao Direito da Vida. Como no caso de um doente terminal, cônscio da irreversibilidade de seu quadro e padecedor dos sintomas de sua doença, por meio de sua Autonomia, solicitasse para que se interrompessem condutas que, no seu entender, e pelo saber médico, só prolongassem o seu sofrimento. Não menos importante ressaltar, que o sentimento de um profissional médico, de seu doente e de seus familiares, nem sempre, encontram aval pleno da legislação. Entretanto, deve o profissional médico manter o máximo de obediência possível às normas legais vigentes, o que não significa que deva impor medidas terapêuticas, sem qualquer expectativa de sucesso, o que caracterizaria o prolongamento do sofrimento do doente e de todos os envolvidos, em ação clara de desumanidade.

3. Há muitos pedidos de morte por pacientes terminais?
R.:
A discussão da abreviação da vida é conflitante e sofre, também, uma inadequação legal. Assim, não há dados que possam confirmar a ocorrência e a prática de eutanásia em nosso meio, o mesmo se dizendo quanto ao número de pedidos. Entretanto, como já mencionado, no Estado de São Paulo, há previsão legal, em casos de terminalidade de estado mórbido, de que o doente opte pela descontinuidade da terapêutica. Por fim, devido a uma maior consciência de seus direitos, o indivíduo – e seus familiares -, tem sido mais questionador e, portanto, pode ser esta, uma das razões de aumento de “pedidos”, nos últimos anos.

 

Relator: Dr. Claudio Barsanti
Presidente do Departamento de Defesa Profissional da SPSP – gestão 2007-2009; Médico Supervisor da UTI do Hospital Santa Marcelina, SP; Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Mackenzie

 

Texto divulgado em 21/08/2007.