Desmame de ventilação mecânica

Introdução

Pacientes são intubados e colocados sob ventilação pulmonar mecânica quando:

  • Suas capacidades ventilatórias próprias são perdidas, pelas demandas ventilatórias impostas por doença;
  • O “drive” respiratório não pode iniciar a atividade respiratória, seja por doença ou drogas.

Assim que o desequilíbrio entre a capacidade ventilatória e a demanda ventilatória começa a se resolver, o foco clínico se direciona para remover a ventilação mecânica, o mais rápido possível. Um atraso desnecessário na retirada desta, aumenta os riscos de complicações como: pneumonia, desconforto e lesões pulmonares induzidas pelo ventilador, além do aumento dos custos. Entretanto, a importância da retirada precoce, do ventilador, deve ser equilibrada, contra os riscos da retirada prematura, os quais incluem: a dificuldade de restabelecer uma via aérea artificial, fadiga muscular ventilatória e comprometimento nas trocas gasosas.

Definições

O termo desmame refere-se ao processo de transição da ventilação artificial para a espontânea, nos pacientes que permanecem em ventilação mecânica invasiva por tempo superior a 24 horas.

Extubação é a retirada da via aérea artificial. No caso de pacientes traqueostomizados, utiliza-se o termo decanulação.

Denomina-se reintubação ou fracasso de extubação, a necessidade de reinstituir a via aérea artificial. A reintu­bação é considerada precoce quando ocorre em menos de 48 horas após a extubação (ou decanulação).

Início do desmame

Existe uma discussão a respeito de qual momento é considerado o início do desmame. Alguns autores o definem, a partir do momento em que o paciente é colocado em ventilação pulmonar mecânica; sendo, a partir daí, todos os esforços empregados, no sentido de otimizar a ventilação pulmonar mecânica para chegar a extubação. O desmame seria considerado, então, a partir deste momento. Este grupo dividiria o desmame em desmame primário, que seria o período de ajuste da ventilação mecânica e sua gradual diminuição; e desmame secundário, que se iniciaria, a partir do momento em que as variáveis ventilatórias já permitissem a extubação.

Já outros grupos defendem a idéia de desmame a partir da estabilização dos parâmetros ventilatórios. Após esta estabilização se dá o início da diminuição dos mesmos, isto é, o desmame ventilatório.

Desmame primário e desmame secundário

Se considerarmos, que desde o momento que o paciente é intubado, todo o esforço será para extubar o paciente, consideraremos todo o período como desmame. A partir desta definição dividimos este período em desmame primário e desmame secundário. O divisor entre estes dois pontos seria o momento em que o paciente estivesse teoricamente pronto para extubação.

No desmame primário o que estaria envolvido seriam os modos de ventilação mecânica, como ventilação mandatória intermitente (IMV), ventilação mandatória intermitente sincronizada (SIMV) ou SIMV associado à ventilação com suporte pressórico (PSV). O momento do paciente a ser considerado pronto pode ser definido clinicamente e laboratorialmente, ou através de prova de tolerância a respiração espontânea.

No desmame secundário pode ser usado o conhecimento/experiência do médico ou fazer uso de protocolos para se chegar a extubação.

Protocolos

Em relação ao uso de protocolos para a extubação existem controvérsias. Para aqueles que são a favor, os argumentos utilizados seriam: os protocolos diminuem o tempo de ventilação mecânica, operacionalizam melhores práticas, e possibilitam uma atualização mais contínua. Já aqueles que são contra argumentam: que os protocolos retardariam inovações e avanços fazendo com que o médico se restringisse apenas ao protocolo.  Estudos atuais são discordantes, não havendo ainda consenso.

Extubação

Há uma preocupação em não extubar o paciente de forma precoce ou tardia. Existiria um período de tempo que seria considerado ideal para se extubar o paciente. Segundo Pediatric Acute Lung Injury and Sepsis Investigators (PALISI) Network, as condições para extubação seriam:

Parâmetros Níveis requeridos
Respiração espontânea Presente
Tosse ou engasgo a aspiração traqueal Sim
pH arterial na maioria das gasometrias 7,32<pH<7,47
FiO2 < 0,6
Nível de consciência Aceitável para extubação
Aprovação do médico assistente Sim
↑ Suporte VPM nas últimas 24 h Não
Intervenção cirúrgica com sedação importante nas próximas 12 h Não
Escape de ar excessivo peri TOT Não

 

No que se refere à extubação, independente dos protocolos, uma avaliação clínica e laboratorial deve ser realizada. Assim gasometria e oximetria de pulso tornam-se obrigatórias. Dentro de uma avaliação clínica devemos prestar atenção na pressão arterial (PA), freqüência cardíaca (FC), freqüência respiratória (FR), esforço respiratório e disritmias cardíacas. Aumentos em PA, FC, FR e do esforço respiratório podem contra-indicar ou pelo menos indicar reavaliação da possibilidade de extubação, para evitar a ocorrência de falha na extubação.

Alguns autores procuram fatores preditivos para extubação (freqüência respiratória, volume corrente, relação entre o espaço morto e o volume corrente, Rapid Shallow Breathing Index – RSBI, pressão inspiratória máxima), mas nenhum destes dados mostrou, um valor inequívoco, em determinar ou não se a extubação será bem sucedida.

Falha de extubação

Em relação à falha de extubação, em geral a sua causa não é a mesma que levou o paciente à ventilação mecânica.
Está relacionada a uma sobrecarga e/ou fadiga muscular ou uma inadequação na relação ventilação perfusão. Os principais fatores associados a estas alterações seriam: a retenção de secreção, atelectasias, doença pulmonar primária, tempo prolongada de ventilação mecânica, sedação prolongada, desnutrição, congestão pulmonar e laringite pós-extubação. Cabendo ressaltar que a principal causa em nosso meio é a laringite pós-extubação.

Conclusão

Em relação ao desmame da ventilação mecânica e extubação, as decisões são subjetivas e baseadas nos dados clínicos relacionados à capacidade do paciente de tolerar a extubação. Estes incluem: resolução do processo da doença de base, grau de sedação, quantidade e qualidade das secreções, FiO2, FR do paciente, grau de suporte de ventilação mecânica, pressão inspiratória, e dados gasométricos.

Referências bibliográficas:

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Relatores:
Marcelo Barciela Brandão – Secretário do Departamento Científico de Terapia Intensiva da SPSP (gestão 2007-2009); Médico da Terapia Intensiva Pediátrica e Urgência/Emergência do Hospital das Clínicas da UNICAMP, Campinas, e do Hospital Estadual Sumaré (Unicamp), Sumaré, SP.
Toshio Matsumoto – Membro do Departamento Científico de Terapia Intensiva da SPSP (gestão 2007-2009); Coordenador da UTIP e UTI Neonatal do Hospital Municipal Infantil Menino Jesus da Prefeitura do Município de São Paulo, SP.

Texto recebido em 30/03/09 e divulgado em 5/04/09.