Para se tornar um falante da língua materna, a criança percorre um longo caminho que, inclusive, começa antes mesmo de seu nascimento. Ao receber um nome, a criança recebe também dos pais um lugar discursivo, um lugar único. Uma relação favorável com os adultos responsáveis mais a maturação do sistema nervoso permitirão à criança desenvolver o jogo simbólico que será a base da linguagem. O jogo simbólico se mostra na capacidade da criança em fazer substituições, como por exemplo, ainda bebê, brincar de “escondeu-achou” e, mais tarde, todas as brincadeiras que envolvem o “faz-de-conta”. Ou seja, desde o nascimento a criança está imersa num mundo de representações já sendo chamada a lidar com símbolos, representações de diferentes naturezas.
No que diz respeito à linguagem, a criança tem como referência a língua materna, aquela que reserva para ela um grande baú de sentidos. Será por meio da língua materna, inicialmente imitada, que a criança poderá constituir-se, constituindo seu próprio repertório. Tendo como ponto de partida os ruídos, os balbucios, as primeiras palavras, a criança conformará e organizará, aos poucos, um mundo de sentidos. Teorias de desenvolvimento, como a proposta por Piaget e teoria acerca da constituição da subjetividade, como a proposta por Lacan, colocam como marco da aquisição da linguagem os 18 meses. Nesta idade a criança já mostra, por meio das brincadeiras e do que pode falar, como caminha seu processo de aquisição da linguagem. Mas será por volta dos 3 anos que a criança mostrará domínio e autonomia com o jogo da linguagem.
As teorias de desenvolvimento e de constituição da subjetividade apontam etapas do processo de aquisição de linguagem, porém, o dado fundamental a ser levado em consideração no ensino da segunda língua é a capacidade da criança em utilizar a língua materna de modo autônomo e tranqüilo. Assim, para cada criança uma avaliação. Em todos os casos, a escolha do segundo idioma deve estar ligada à história da criança e da família seja pela origem familiar ou pelo contexto atual dos pais, como mudança para outro país, viagens, etc.
Aprender uma segunda língua será sempre enriquecedor para uma criança, na medida em que ela conhecerá uma cultura diferente da sua. Se respeitado o tempo de amadurecimento da criança e se levado em consideração o seu próprio interesse em aprender outra língua, os ganhos serão para toda a vida. Porém, os adultos deverão estar atentos para as possibilidades da criança em cada momento do desenvolvimento. De maneira ampla, todo processo de aprendizagem pede disciplina do aprendiz; porém não se deve esperar que a disciplina e a responsabilidade partam da criança. Como uma preocupação dos adultos, a disciplina e a responsabilidade poderão ser construídas ao longo da infância não só por meio das atividades intelectuais e acadêmicas, mas principalmente no dia-a-dia da família, de modo regular e crescente.
Como as crianças na atualidade frequentam a escola desde muito cedo, e a maioria das escolas propõem em seus currículos atividades diversificadas, podemos considerar que até os 3 anos, as atividades escolares são suficientes para propor desafios cognitivos, motores e de socialização. A partir desta idade e dependendo dos hábitos e costumes familiares, atividades como iniciação musical, natação e balé podem ser apresentadas às crianças, desde que adequadas às suas condições psicomotoras e não relacionadas às competições, até que a criança demonstre seu interesse em aprofundar uma ou outra atividade. Será melhor se tais atividades forem propostas em grupos, para que a criança aprenda a conviver com outras crianças e tenha a oportunidade de conhecer e se apropriar de regras e combinados.
Relatora: Gislene Jardim – Presidente do Departamento Científico de Saúde Mental da SPSP – gestão 2007-2009; Psicanalista, Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento humano pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.
Texto recebido em 10/03/09 e divulgado em 24/03/2009.