“O custo de não fazer nada é aquele que não podemos pagar”*

“O custo de não fazer nada é aquele que não podemos pagar”*

No dia 7 de abril a Organização Mundial da Saúde (OMS) comemora o seu 75º aniversário de nascimento, sob a inspiração do tema “75 anos melhorando a saúde pública. O mundo, em 1948, recém saído da II Guerra Mundial, almejava alcançar a utopia de garantir saúde para todos, juntando esforços para o bem comum. A própria definição de saúde encampada pela OMS destaca os quatro pilares fundamentais para o bem-estar de todo indivíduo: o equilíbrio biopsicossocial-espiritual. Essa definição anuncia a complexidade do assunto e sinaliza, também, a dificuldade para se atingir os objetivos pretendidos.

Esta data é uma oportunidade para refletir sobre essa complexidade e visualizar os desafios que temos pela frente. Ao longo da história da humanidade, podemos verificar que o saneamento ambiental tem sido o instrumento mais eficaz para a promoção da saúde. Uma casa para morar, água potável para beber, alimento adequado para comer e rede de esgoto fazem mais pela saúde pública que a multiplicação de equipamentos de saúde ou o incremento no número de médicos.

Saúde para todos é o slogan da campanha da OMS para 2023. Destacamos, então, que “Desigualdades Sociais fazem mal à Saúde”. Elas refletem o grau de iniquidade existente em cada sociedade – fator que está correlacionado à organização social. O acesso e a utilização dos serviços espelham essas diferenças. Há sistemas que potencializam as desigualdades existentes na organização social e outros que procuram compensar, pelo menos em parte, os resultados danosos da organização social sobre os grupos socialmente vulneráveis.

Ao compararmos sociedades diferentes, através dos parâmetros esperança de vida ao nascer com o PIB (Produto Interno Bruto) per capita de cada uma, como elemento de interferência na Saúde, vamos nos surpreender. Alguns exemplos: a Suécia tem um PIB per capita de 42 mil dólares e uma esperança de vida ao nascer de 80 anos; por outro lado, Angola tem um PIB per capita de 2.800 dólares e a esperança de vida é de 40 anos. A correlação entre riqueza e esperança de vida parece evidente; no entanto, quando comparamos os EUA com PIB per capita de 43.562 dólares e esperança de vida de 77 anos com Cuba, que tem PIB per capita de 4.600 dólares e esperança de vida de 77 anos, a correlação entre riqueza e saúde parece, então, não ser linear. Essa não correspondência também surge se compararmos a Arábia Saudita, que tem PIB per capita de 5.133 dólares e esperança de vida de 49 anos, com os dados de Cuba já apontados.

Nem sempre a riqueza corresponde a melhoria na saúde. O que irá diferenciar a efetividade das ações sobre saúde é a organização social e a satisfação de necessidades básicas gerais. Rita Barradas Barata diz sobre o assunto: “todos devem ter acesso e utilizar os serviços indispensáveis para resolver as suas demandas de saúde, independentemente de seu grupo social; aqueles que apresentam maior vulnerabilidade em decorrência da sua posição social devem ser tratados de maneira diferente, para que a desvantagem inicial possa ser reduzida ou anulada”.

O grande desafio para a saúde em nosso país, em 2023, é garantir que todas as pessoas tenham acesso e condições de serem tratadas com equidade. Trata-se de algo que pode ser construído com boa gestão dos recursos, cultura de qualidade e segurança, que busque sempre o melhor desfecho e evite desperdícios; que busque coordenação adequada do cuidado nas várias instâncias de atendimento, fortalecendo a atuação na atenção primária, para que o encaminhamento dos casos mais complexos para tratamento especializado, ocorra de forma correta, com melhores desfechos e economia de recursos. Por fim, uma distribuição equilibrada dos profissionais de saúde e dos equipamentos pelas regiões do país e a incorporação dos recursos tecnológicos da Big data, da Inteligência Artificial e Telemedicina em Saúde são fundamentais para o bom atendimento num país tão vasto.

Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, diz: “a saúde pública é uma escolha política” e é preciso “perceber que a saúde é um investimento no futuro”. O chefe da ONU disse que “os países investem na proteção de seu povo contra “ataques terroristas”, mas não contra o ataque de um vírus, que pode ser muito mais mortal e muito mais prejudicial.”

A OMS divulgou esta lista com 13 desafios urgentes e globais à saúde:

1 – Ressaltar a saúde no debate climático

A crise climática é uma crise de saúde. Estima-se que a poluição do ar mate 7 milhões de pessoas todos os anos. Estas mudanças causam eventos climáticos mais extremos, agravam a desnutrição e aumentam o contágio de doenças infecciosas como a malária. As mesmas emissões que causam aquecimento global são responsáveis por mais de um quarto de mortes por ataque cardíaco, acidente vascular encefálico, câncer no pulmão e doença respiratória crônica.

2 – Levar saúde nas áreas de conflitos e crises

Em 2019, a maior parte dos surtos de doenças que requeriam a intervenção da OMS ocorreu em países com conflito prolongado. A OMS registrou 978 ataques a postos de saúde em 11 países no último ano, com 193 mortos. Conflitos estão forçando um número recorde de pessoas a sair de suas próprias casas, deixando dezenas de milhões de pessoas com pouco acesso a cuidados básicos de saúde por muitos anos.

3 – Tornar o acesso a saúde mais justo

As lacunas socioeconômicas persistentes e crescentes resultam em discrepâncias na qualidade de saúde da população. O aumento global de doenças não transmissíveis, como câncerdoença respiratória crônica e diabetes tem crescido desproporcionalmente em países de baixa e média renda, o que pode esgotar rapidamente os recursos das famílias mais pobres.

4 – Expandir o acesso a remédios

Cerca de um terço da população mundial não tem acesso a remédios, vacinas, diagnósticos e outros produtos de saúde essenciais. Remédios e outros produtos são a segunda maior despesa dos sistemas de saúde (atrás apenas do gasto com profissionais da saúde) e o maior componente da despesa privada em saúde dos países de baixa e média renda.

5 – Parar as doenças infecciosas

Doenças infecciosas como HIV, tuberculose, hepatites virais, malária, outras doenças tropicais negligenciadas e infecções sexualmente transmissíveis mataram cerca de 4 milhões de pessoas em 2020. Doenças com vacinas preventivas continuam letais, como sarampo, que tirou 140 mil vidas em 2019, muitas delas crianças. Embora a poliomielite esteja à beira da erradicação, houve 156 casos de poliovírus selvagem no último ano, o maior número desde 2014.

6 – Preparar-se para epidemias

Todos os anos, o mundo gasta muito mais com a resposta a surtos de doenças, desastres naturais e outras emergências médicas do que com preparação e prevenção delas. O problema não é saber se haverá uma nova pandemia, mas quando, e se espalhará rapidamente, potencialmente ameaçando milhares de vidas. Doenças transmitidas por vetores como malária, dengue, zika, chikungunya e febre amarela estão se espalhando à medida que o mosquito se desloca para novas áreas, afetadas pelas mudanças climáticas.

7 – Proteger a população de produtos perigosos

Falta de comida, alimentos contaminados e dietas não saudáveis com alto teor de açúcar, gordura saturada, gordura trans e sal, são responsáveis por quase um terço da carga global das doenças atuais, incluindo sobrepeso, obesidade, doenças cardiovasculares. A fome continua a atormentar milhões, com a escassez de alimentos sendo explorada como arma de guerra. O uso do tabaco está diminuindo em alguns países, mas cresce em outros e há várias evidências dos riscos à saúde dos cigarros eletrônicos.

8 – Investir naqueles que defendem nossa saúde

O baixo investimento crônico em educação e a remuneração insuficiente para profissionais da saúde estão levando à escassez desses profissionais no mundo todo, comprometendo os serviços de saúde. O mundo precisará de 18 milhões de profissionais da saúde a mais até 2030, principalmente em países de baixa e média renda.

9 – Manter os adolescentes seguros

Mais de um milhão de adolescentes entre 10 e 19 anos morrem todos os anos. As principais causas das mortes nesta faixa etária são acidentes de trânsito, HIV, suicídio, infecções respiratórias e violência, associados ao uso excessivo de álcool, tabaco, drogas, falta de atividade física, sexo desprotegido e exposição precoce a maus-tratos infantis.

10 – Ganhar a confiança pública

A saúde pública é comprometida pela disseminação descontrolada de informações falsas nas mídias sociais, bem como por uma quebra de confiança nas instituições públicas. O movimento antivacina tem sido um fator significativo no aumento de mortes em doenças evitáveis.

11 – Aproveitar as novas tecnologias

Novas tecnologias estão revolucionando nossa habilidade de prevenir, diagnosticar e tratar muitas doenças. A edição do genoma, biologia sintética e tecnologias digitais de saúde, como inteligência artificial, podem resolver muitos problemas, mas também levantam novas questões e desafios para monitoramento e regulamentação. Sem uma compreensão mais profunda das implicações éticas e sociais, estas novas tecnologias – que incluem a capacidade de criar novos organismos – podem prejudicar as pessoas às quais pretendem ajudar.

12 – Proteger os remédios assim como eles nos protegem

resistência antimicrobiana (AMR) ameaça a medicina moderna a retroceder para a era pré-antibiótica, quando mesmo as cirurgias de rotina eram perigosas. Esse aumento se deve a diversos fatores, que juntos são bem preocupantes: prescrição irregular de uso de antibióticos, falta de acesso a medicamentos de qualidade, falta de água potável, saneamento, higiene, prevenção e controle de infecções.

13 – Manter serviços de saúde limpos

Aproximadamente 1 a cada 4 instituições de saúde do mundo carece de recursos hídricos básicos. Serviços de água, saneamento e higiene são essenciais para o funcionamento de um sistema de saúde. A falta desses itens leva a cuidados de baixa qualidade e aumenta a chance de infecção para pacientes e profissionais de saúde.

 

Saiba mais:

*Rita Barradas Barata: Como e por que as desigualdades sociais fazem mal à saúde. Rio de Janeiro. Editora Fiocruz, 2009. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/handle/icict/23564/barata-9788575413913.pdf?sequence=2&isAllowed=y

 

OMS destaca 13 maiores desafios de saúde para a próxima década. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2020/01/1700342

 

Relator:
Fernando MF Oliveira
Coordenador do Blog Pediatra Orienta da SPSP