Pediatras e a violência contra criança

Matéria publicada no Jornal de Jundiaí em 11/06/2008

A Pediatria é a medicina do ser humano no seu período de crescimento e desenvolvimento. O pediatra participa tanto na prevenção quanto no diagnóstico e recuperação dos agravos à saúde e ao bem-estar das crianças e dos adolescentes; dentre esses agravos destaca-se a violência.

As estatísticas da violência revelam um alarmante quadro, constituindo hoje uma das principais causas de morbidade e de mortalidade de crianças e adolescentes em nosso país. São várias as formas de violência, institucionais e sociais, a que está sujeita parcela significativa da população infantil, ressaltando-se a violência doméstica. A violência dentro da família pode não ser facilmente visível. Esse espaço é historicamente regido por leis próprias que, ainda hoje, não raro aceita o castigo físico ou psicológico sob a equivocada proposta de educar.

Identificam-se diferentes tipos de violência contra as crianças e adolescentes: os maus-tratos físicos, os psicológicos, o abuso sexual, a negligência e o abandono e a chamada síndrome de Münchausen por procuração. O pediatra precisa estar atento para suspeitar de violência contra o seu paciente mesmo sem relato ou com negação do ato. Maus-Tratos físicos podem ser compreendidos como o uso da força física de forma intencional, não-acidental, para ferir, danificar ou destruir a vítima.

Os agentes são pais, responsáveis, familiares ou pessoas próximas da criança ou do adolescente. É importante ressaltar que os maus-tratos físicos apresentam gravidade variável, às vezes com risco de seqüelas irreversíveis ou até mesmo de óbito. A vítima de maus-tratos físicos pode exibir lesões em pele e mucosas (hematomas, queimaduras de cigarros); em esqueleto (fraturas) ou em outros órgãos. Entretanto, é até possível não haver marcas evidentes. Crianças de todas as idades podem ser atingidas; forma especial é a chamada síndrome do bebê sacudido.

A criança, geralmente menor de seis meses, é sacudida por adulto, resultando em danos neurológicos e hemorragias retinianas. Maus-Tratos psicológicos são as atitudes de rejeição, depreciação, desrespeito, discriminação, ameaças de abandono ou de perda de entes queridos, cobranças ou punições exageradas e até a utilização da criança para atender às necessidades psíquicas dos adultos. Ressalte-se o risco que essas formas de agressão apresentam, uma vez que podem causar danos ao desenvolvimento biopsicossocial da criança, com seqüelas por toda a vida. Abuso sexual pode ser compreendido como todo ato ou jogo sexual realizado por adulto usando a criança ou o adolescente para sua gratificação sexual. 

Pode ser heterossexual ou homossexual, haver ou não o ato sexual propriamente dito. A negligência é caracterizada como a omissão do adulto responsável; pode ser compreendida como o não-provimento das necessidades físicas, materiais e psicológicas da criança. Manifesta-se de várias maneiras como, por exemplo, a privação de cuidados à saúde, à alimentação, não vacinar a criança ou não oferecer estímulos e condições para a criança freqüentar a escola. 

Em nosso meio, a dificuldade de caracterizar atitudes negligentes dos pais, que implica em intencionalidade, reside nas dificuldades econômicas e culturais de muitas famílias. Entretanto, não é raro pais com condições culturais e econômicas adequadas que são negligentes com seus filhos. O abandono, a exclusão do lar, são formas extremas de negligência. A síndrome de Münchausen por procuração é caracterizada como a situação em que a criança é trazida para a consulta médica devido a sintomas inventados ou provocados pelos seus cuidadores. Os responsáveis, geralmente um dos pais, simulam doenças na criança com o objetivo de submetê-la a investigações médicas invasivas e desnecessárias. Isso representa uma violência contra a criança tanto física quanto psicológica.

Ao lado do diagnóstico e do tratamento médico imediato das lesões da criança vitimizada o pediatra deve notificar ao Conselho Tutelar da região ou na ausência desse diretamente ao Juizado da Infância e da Juventude. O atendimento pediátrico é uma oportunidade ímpar para a prevenção desse sofrimento. A intervenção do pediatra pode ser fundamental para a reorganização dos vínculos familiares, objetivo básico na luta contra esse flagelo. 

José Hugo de Lins Pessoa é presidente da Sociedade de Pediatria de São Paulo e professor titular de Pediatria da Faculdade de Medicina de Jundiaí

Texto divulgado no Portal da SPSP em 11/07/2008.