“Vendem-se sapatos de bebês, nunca usados”

“Vendem-se sapatos de bebês, nunca usados”

O título deste texto é uma tradução livre daquele que é considerado o conto mais curto que já foi escrito, atribuído a Ernest Hemingway. Tem apenas seis palavras na língua original: “For sale: baby shoes, never worn”.

Há múltiplos entendimentos ou interpretações sobre o que este conto sugere. Pessoalmente, remeteu-me a esta imagem, bastante dramática: “sapatinhos de um enxoval de RN que nunca foi utilizado porque a criança não sobreviveu”. Cena de um luto prematuro. Cena de uma tragédia familiar.

Os sapatinhos foram o mote para escrever sobre este tema: a taxa de mortalidade infantil no Brasil. Tal qual a dramaticidade do conto é a tragédia de mortes prematuras que poderiam ser evitadas: “duas a cada três mortes de crianças com menos de 1 ano de idade no Brasil poderiam ter sido evitadas com medidas básicas de atenção à saúde” (Fiocruz, publicado em 11/05/2022).

Essas medidas incluem pré-natal adequado, incentivo à amamentação, incentivo à vacinação. Estamos regredindo, uma vez que em 2015 o Brasil alcançou e comemorou um dos objetivos do milênio, que era o de reduzir pela metade as mortes infantis.

A taxa de mortalidade infantil no Brasil, medida pelo número de mortes antes de completar um ano de idade, chegou a ficar em 12,4. A tabela abaixo revela o aumento desses números.

Taxa de Mortalidade Infantil no Brasil. Fonte: Boletim Epidemiológico. Secretaria de Vigilância em Saúde. MS. Volume 52/0utubro 2021.

Ano   1990 2015 2016 2017/2019
Taxa   47,1 13,3 14,0 13,3

 

A doença do “sarampo” é emblemática para expressar a deterioração de conquistas anteriores no campo da saúde pública. A região das Américas, após ter sido declarada, em 2016, a primeira região livre do sarampo, voltou em 2017 a conviver com essa doença. A Venezuela enfrenta desde julho de 2017 um surto de sarampo, sendo a maioria dos casos provenientes do Estado de Bolívar. A situação sociopolítica e econômica enfrentada pelo país ocasionou um intenso movimento migratório, que contribuiu para a propagação do vírus para outras áreas geográficas.

Brasil, desde fevereiro de 2018, também enfrenta um surto de sarampo (genótipo D8, circulante na Venezuela desde 2017). No ano de 2019, o Brasil perdeu a certificação de “país livre do vírus do sarampo”, dando início a novos surtos, com a confirmação de 20.901 casos da doença. Em 2020 foram confirmados 8.448 casos e, em 2021, até a Semana Epidemiológica (SE) 52, foram confirmados dois óbitos por sarampo no Estado do Amapá, ambos em crianças menores de um ano – uma delas com 7 meses de idade, não vacinada (com orientação da Dose Zero em Estados com surto) e sem comorbidades e a outra com quatro meses de idade (não indicada vacinação, por ser menor de seis meses), nascida de parto prematuro, gemelar, baixo peso, com síndrome de Down e pertencente à terra indígena Waiãpi.

 

Saiba mais:

 

  1. Nikola Budanovic, “For sale, baby shoes, never worn”: Tracing the history of the shortest story ever told. Sep 24, 2017. Disponível em: https://www.thevintagenews.com/2017/09/24/for-sale-baby-shoes-never-worn-tracing-the-history-of-the-shortest-story-ever-told/?chrome=1
  1. “Duas a cada três mortes de crianças com menos de 1 ano de idade no Brasil poderiam ter sido evitadas com medidas básicas de atenção à saúde” (Fiocruz. Publicado 11/05/2022 pela RedeBrasilAtual). Disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/saude-e-ciencia/2022/05/brasil.
  2. Taxa de Mortalidade Infantil no Brasil. Fonte: Boletim Epidemiológico. Secretaria de Vigilância em Saúde. MS. Volume 52/0utubro 2021.
  3. Boletim Epidemiológico 03. Secretaria de Vigilância em Saúde. Volume 53/Jan.2022.

 

Relator:
Fernando MF Oliveira
Coordenador do Blog Pediatra Orienta da Sociedade de Pediatria de São Paulo

 

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